Semana passada aconteceu um acidente na saída do viaduto. Um carro perdeu o controle e bateu num poste e pelo que falaram a coisa foi feia. Tanto que o motor inteiro do carro parou a uns 30 metros de distância do local do acidente.
O veículo tinha um só passageiro. Um maluco. Deitou na hora e agora só acorda de madrugada, quando todas as luzes e mentiras já foram embora.
Dois dias depois eu tava passando pelo viaduto, era umas sete, sete e pouco da noite e vi o maluco lá, parado, acenando, pedindo para que eu encostasse. Embora eu não tivesse certeza de que gesticulasse para mim, afinal havia outros carros passando naquela mesma hora, tinha alguma coisa no movimento dos olhos dele, entende? Um olhar de cumplicidade e denúncia ao mesmo tempo.
Então passei por lá novamente anteontem, e advinha se não encontrei o maluco por lá, todo pintado de branco, em roupas fantasmagóricas, acenando na minha direção. Olhei pelo retrovisor, nenhum carro vinha, onze e meia da noite, aquele esboço branco gesticulando lá atrás, pisei firme no freio e voltei. Encostei o carro e o maluco chegou bem perto, de forma que era possível sentir o seu hálito, o hálito da morte, enquanto ele contava sobre todas as coisas boas que tinha para se fazer no além mundo, coisas que me deixaram muito animado. Então ele entrou no meu carro, ainda tínhamos o viaduto inteiro pela frente, pisei fundo no acelerador e saltamos juntos para dentro do rio num acidente cinematográfico. Só faltou a explosão. Mas a vida é assim.
Agora estamos aqui, tocando harpa com caveiras incrustadas nas pontas e brilhantes pedras vermelhas dentro dos olhos.
E o maluco - vim descobrir agora a pouco, se chama Eduardo e coleciona frascos vazios de remédios fabricados especialmente para a companhia cooperativa dos anjos celestiais.