A velhice é uma solteirona que mora na rua de trás, envolta por suas plantas e gatos. É comedida e sincera. É limpa.
E talvez ignore as próprias rugas.
Tem histórias para contar, aos montes.
Sorrisos breve, nostálgico e enigmático – como peças de um quebra-cabeça para sempre incompleto.
Dedos de palavras cruzadas e o hábito de alimentar os pombos.
A velhice rejeita igualmente a pressa e o vício.
Admira os jovens e os livros de fotografia.
Toca a campainha: é o medo. O medo é um senhorzinho cabisbaixo e ranzinza que mora no andar de baixo, vive sozinho e só muito de vez em quando aparece.
Toma uma xícara de café, ouve umas estórias. Como uma fatia de bolo e desaparece tão rápido quanto chegou.
O medo se cobre com cores escuras, guarda distância do sol e das ruas demasiadamente íngremes, sua casa é visitada todos os dias por moleques que tocam a campainha e saem correndo.
Pobre medo – não tem tempo de chegar à porta – e quando chega: nem rastro de menino. Ao invés deles, um tanto surpreso encontra a sua frente, a Dona Velhice, sorridente, a estender-lhe um pedaço de torta.