terça-feira, 25 de janeiro de 2011

SHEILA X

O que Sheila tem de atraente, tem em dobro de barra-pesada. Ela diz ser oito ou oitenta, eu diria que ela é oito ou oitocentos. É sério. Não é exagero. Sheila X é fã da Malcolm X, chegou até a pintar um X bem grande numa camiseta que não trocava nunca, essa fase durou certo tempo, mas o apelido acabou ficando. Depois de um tempo, ela passou a contar que o apelido vinha da sua mania de ler história em quadrinhos, X-Men e todas essas coisas da Marvel e DC. Entre essas fases, Sheila costumava sumir por uns tempos, no começo circulava todo o tipo de boato quando ela não estava por perto, diziam que estava na Itália ou na cadeia, que se tratava de alguma doença ou mesmo que tinha morrido. E do nada reaparecia. Claro que andou brincando certo tempo com a morte, uns cinco ou seis meses, talvez. Depois disso, Dill – o tal ex-namorado, amanheceu morto numa manhã de domingo, o corpo foi encontrado ao lado dos ratos, na saída de um cano de esgoto, a boca cheia de formiga – Tinha tanta formiga que pensaram que o sangue fosse catchup – Sheila gostava de contar entre amigos e ria de não se conter – Imagina que aquele estúpido seria capaz de uma coisa dessas? Nem de dar risada ele gostava – depois já mudava de assunto e saía procurando alguma revista de horóscopo do outro lado do balcão do bar, trocava o cigarro de mão, corria até o banheiro, voltava depois de uns minutos, parecendo meio afobada, querendo ir nesse ou naquele lugar, geralmente do outro lado da cidade, insistindo todo o tempo naquilo, insistindo, insistindo, e as pessoas às vezes não tinham muita paciência. A verdade é que Sheila nunca ficou legal quando cheirava. O negócio dela é álcool, uísque com Red Bull, e só, no máximo uns baseados bem de vez em quando. Depois que começou a usar pó direito, passou a odiar os gays e travestis, se bem que por intermédio deles tenha ficado amiga do Plasil e sua turma, uma gangue de escatológicos virados na efedrina – ela contava sobre a vez em que quase matou um traveco atirando garrafas na sua direção ou de altas tretas com gangues de lésbicas – Só não gosto muito dos ratos, na maior parte das vezes, ratos são um problema – Fora isso se não tiver a cara muito deformada ou um pau que ejacula ácido – Sheila tinha uma coleção de armas em casa, e todas viviam carregadas – Quando tava louca de efedrina dava tiros de 22 mirando uma garrafa em cima da mesa, eu ficava no outro canto, na parede oposta a uns 8 metros de distância, de qualquer forma não era um troço fácil de se conseguir, por isso as paredes estão todas furadas – e uns caras paravam às vezes e metiam o pau por aqueles orifícios e Sheila chupava cada um deles por dinheiro, depois perdia todo o dinheiro em apostas. Foi sempre assim. Desde que ela chegou por aqui. De onde veio ninguém sabe. É meio árabe ou índia, meio africana e talvez um pouco européia também. Sheila é uma junção de muitas mulheres. E ela palita os dentes com a ponta de uma faca e depois atira aquela faca contra a parede e ela fica lá espetada, balançando um pouco até que para. Nisso Sheila já pulou pela janela e agora está lá fora abençoando os grilos e os deuses da chuva – Ei, Sheila, que tal darmos uma volta? - Ontem mesmo ela apareceu, trazia uns discos debaixo do braço: Extreme Noise Terror, Sore Throat, Napalm Death – todas essas podreiras, depois um pouco de Madonna, de Ana Carolina, não se importa com cinzeiros, deixa que as cinzas do cigarro caiam pelo chão – Desse jeito ela ainda acaba queimando todo o estofamento, e finalmente dá o fora, leva um Smiths e o maço com uns oito cigarros dentro, vai brincar com foto noutro canto. Na semana seguinte ela liga – Acho que esqueci alguma coisa na sua casa – mas dou uma procurada rápida com os olhos e não encontrando nada tento mudar de assunto, não adianta: - Estou indo ai – e bate o telefone na minha cara. Depois de duas horas aparece, toda ensopada, a maior chuva lá fora. Abro a porta e deixo que entre achando que é apenas pretexto. Depois disso circulamos um tempo por ali, pela sala, ela apanha uns discos, cantarola baixinho uma música que não entendo – Animals – talvez, canta sobre uma garota, depois fala sobre o filme dos X-Men e enquanto descreve as diferenças entre o cinema e os quadrinhos, abaixamos procurando alguma coisa perdida pelo chão – O quê é? – pergunto depois de um tempo – Uma ponta – responde sem prestar muita atenção – depois de cinco minutos canso daquilo vou para o quarto e trago um baseado pronto para ela – Fica com esse – mas acabamos fumando juntos e terminamos nossa noite bem no meio da sala, duas garrafas de vinho e becks bolivarianos pelos tacos soltos do assoalho, e a janela aberta, a luz dos postes iluminando parte do chão da sala a outra metade envolta na maior escuridão. E antes que amanheça, ela apanha as roupas, a bolsa e dá o fora como se estivesse arrependida. Depois liga. Diz que anda meio confusa. E enquanto fala, ainda do chão da sala, espreito sem querer numa fresta embaixo do sofá na direção de alguma coisa de que certamente já ouvi falar e então encontro aquela imensa ponta nunca antes encontrada. Que pretexto, que nada. Apanho o telefone outra vez, ela fala sem parar, como será que respira? – Alô Sheila?