Era um sujeito tão confuso
vivia a trocar os pés pelas mãos
entrava pela porta de saída
ia embora quando tava todo mundo chegando
lá pelas seis ou sete da noite
dava sinceros telefonemas de bom dia
e quando o dia tava quase clareando
lá ele ia a procurar a lua
e acontecia que sempre acabava encontrando
seja o que fosse que estivesse procurando
uma toalha de mesa na geladeira
um punhado de sal na penteadeira
um rastro qualquer dentro duma poça dágua
o último suspiro do morto
era um sujeito tão confuso
que volta e meia encontrava ele mesmo
perdido no meio de tamanha bagunça
oi, como vai? – ele dizia
vou bem, e você? – ele mesmo respondia
e as respostas eram tão exatas
que a gente chegava a pensar que os confusos
éramos nós e não ele
teve o dia em que apareceu na sala de aula
metido em salto alto
e todos logo perguntaram – o quê é isso Abelardo?
e ele se fez de desentendido
disse apenas que queria ficar um pouco mais alto
e ninguém deu lá muita bola
afinal era o último dia de aula
e foi justamente no dia que Abelardo apareceu pela primeira vez na escola...