sexta-feira, 5 de setembro de 2008
SÃO PAULO
Aqui em São Paulo as pessoas passam o dia plugadas em tomadas de 220 volts. Você pode vê-las, subindo e descendo ruas como se essas ruas fossem escorregadias e como se todas as pessoas estivessem descalças numa apoteótica celebração de eletro-choque, como se um relógio fosse despertar dentro de suas cabeças a qualquer instante, como dedos trêmulos que digitam e digitam palavras imaginárias na fumaça do ar. Seus apertos de mão muitas vezes dão choque e seus abraços podem significar morte instantânea simplesmente porque não há muito tempo para nada, nem mesmo para puxar o cabo de força acoplado aos reatores do concreto. As filas são apenas resumos estendidos da paranóia que flutua entre fios de cabelos elétricos amplificados por olhares mágicos de laser, capazes de aniquilar pequenos insetos insignificantes, cujas mãos encardidas estendem-se num vão infinito entre portas giratórias de bancos cheios de medo e tensão e as grades suspeitas dos portões da igreja. Aqui em São Paulo é melhor você acelerar o seu carro, acelerar o seu passo, antes que passem por cima e aqueles que passam por cima, apenas seguem o fluxo pois a muito deixaram de lado o seu caminho, trilham à deriva, numa deriva acelerada e incontida ecoando milhões de buzinas dementes às margens de esgoto ao céu aberto. O paulistano típico é cinza e sua fala é trêmula e ele nunca olha nos seus olhos quando fala com você, fica o tempo todo olhando para os lados procurando deus atrás de caixas registradoras lá no fim das filas. Telefones públicos que tocam as três da manhã onde acabou de passar um carro da polícia com sirenes de ambulância que iluminaram os muros da fábrica como se fosse uma pista de dança improvisada no meio da aparente nada. Até que amanheça e os gatos voltem para suas tocas outra vez. Até que amanheça e os despertadores sejam desligados e novamente acionados em seguida. Em São Paulo há um cronômetro em cada esquina e cada pessoa corre sua maratona particular cujo vencedor é sempre o mesmo prédio mudo das chagas em forma de rachaduras debruçadas sobre o viaduto onde milhares de motos em ziguezague anunciam numa espécie da marcha fúnebre apressada que morreram os devaneios que antigamente costumavam dar algum sentido para a vida. E existem tantos sentidos, tantas mãos de vias duplas e triplas, tantos caminhos diferentes, curvados, enviesados, atalhos para lugar nenhum, que ninguém nunca chega com suas bagagens liquidas e seus guarda-chuvas tocando fios descascados numa procissão infinita de equívocos e suicídios públicos aos olhos daqueles que ainda tiverem um pingo da lucidez de um outrora caminho de terra com placas indicando uma vila qualquer semi-abandonada pela mesmice da rotina embriagada.