segunda-feira, 23 de setembro de 2013

THE BICECROSS GIRL

No meio da floresta negra dos cabelos dela
avisto uma fresta
percorro a cicatriz com as pontas dos dedos
até tocar em duas minúsculas baterias
afasto os fios para um lado
e para o outro
110 volts - está escrito  
isso foi num passeio de bicicleta - explica
um salto mal cauculado, pista escorregadia,
sabe como são essas coisas...
O resultado da queda foram dois pinos:
um para o ajuste da caixa craniana
outro pra conter as emoções mais ríspidas
resultado:
já nem se emocionar, se emociona
quase todas as coisas são como naftalina - conta
pergunto sobre Hollywood,
Beethoven
ópera, balé, circo, time de futebol
nada...
Ela sorri
aperto sua pequena mão de encontro ao meu peito
onde talvez ainda pulsem emoções fortes
somos dois estranhos num entardecer em São Paulo
concreto rachado
mato crescendo pelas frestas
a cidade e as suas rachaduras
também tenho minhas cicatrizes
e pequenos abalos sísmicos na orbita ocular
sempre que prevejo desvios
enrosco o braço no seu ombro
tremo um pouco
juntos descarrilhamos
e ninguém tem nada com isso...



DESCONEXÃO

Olhos desse tamanho 
a cabeça cheia de dúvidas
isso tudo vai passar
agora pensa, isso tudo vai passar...

O dia parece longo demais
e ao mesmo tempo grita
como se tudo isso fosse passar
quem sabe - e se fosse?

Voam por cima da guia
debandam e partem
como se fossem aves de verão...

Mas são as mesmas árvores de sempre
vidas sem raízes
anjos decaídos

no triste reino dos homens...

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

MARTA

Ela disse que precisava de uns dias para pensar  
contou sobre uma viagem que faria com umas amigas
e que talvez voltasse antes do inverno...
Apareceu numa manhã de primavera
quase verão...
Nos encontramos na calçada
ficamos de conversa um tempo
até que finalmente ela olhou nos meus olhos e disse:
- Pensei bastante a respeito e quero dizer que aceito o seu pedido!
Demos um longo beijo e um abraço de alguns minutos
lágrimas escorriam dos seus olhos
voltei e fechei a porta de casa
e rumamos para a praia -
Era uma manhã de terça
o carro quebrou no caminho
tivemos que chamar um guincho
e seguimos o restante do percurso num ônibus caindo aos pedaços,
proibido fumar 
revezávamos nossas idas ao banheiro
Marta fumava 3 maços por dia nessa época
ganhava de mim por pouco...
Enquanto seguíamos pela estrada
o tempo começou a fechar
foi a primeira vez em quase vinte anos
Que choveu durante trinta dias seguidos...
Passávamos o tempo jogando cartas
e contando histórias enquanto olhávamos pela janela
bebíamos vinho do mais barato
porque estávamos razoavelmente duros,
quando o dinheiro acabou
pegamos o mesmo ônibus 
e voltamos para a cidade...
Fazíamos nossas contas
Eu – desempregado
Ela – procurando emprego
Eu – três dentes faltando
Ela – com dividas na faculdade
Eu – trinta e cinco anos incompletos
Ela – recém divorciada
Não ia ser fácil 
e  não foi
tivemos inúmeros problemas
alguns passamos por cima -
outros relevamos
mas nunca mais choveu sem parar
durante trinta dias...
Hoje nossa lua de mel completa vinte e cinco anos
Marta provavelmente tem mais cabelos brancos
que algumas tias
enquanto equilibro latas de cerveja na barriga...
Ela se mudou pra Bahia
tem cinco ou seis filhas
nenhuma minha
a última vez que nos falamos
tem quase dez anos
foi por telefone – Chamada de Longa Distância
-Marta, querida! – eu dizia
Enquanto ela ria...
O tempo corre – débil
e quando a gente olha
já não estamos mais juntos de quase tudo
exceto, é claro
enquanto ainda lembramos...

BINGO

Sempre que acorda
rabisca um X no dia do calendário
um dia a menos – pensa
ou um dia a mais, tanto faz...
Vive de contar os dias
como quem conta milho
num bingo paroquial...
Eis o resumo final de uma vida:
um padre cantando as bolinhas
para quatro senhoras sentadinhas...

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

FESTA DE ANIVERSÁRIO

Fico da janela
À espera de uma frente fria
Avisto uma nuvem negra pairando
- é ela!
Encho-me de alegria...

Torço para que chova logo
Mas sei que também não posso criar grandes expectativas
É o dia da festa do meu aniversário

Não quero visitas
Nenhum parente ou amigo por perto
Não há motivo nenhum para comemorar
Envelhecer

Por dentro o silêncio é estático
E a nuvem negra agora é como uma amiga
Torço para que chova logo
E esfrie
Assim quem sabe ninguém apareça

Escuto minha mãe me chamando
Quer que eu veja como ficou o bolo
Sei que ela deve estar sorrindo 
Por isso terei que me esforçar 

Agarro-me ao nylon invisível da corda
O anjo deformado
Uma imensa queda
20 andares pra baixo
E mesmo consumido aos poucos
Caminho em direção à cozinha
E o som dos copos batendo uns nos outros
Que escuto a medida que vou andando 
Parece um pouco com o som
De minúsculos flocos prateados pontiagudos 
De alguma forma de chuva
a encrustar-se na alma...

sábado, 7 de julho de 2012

FIM DA LINHA

Aqui estou
o ponto final
e os ônibus partem com um misto de pressa e desinteresse
Netuno parece uma bola de fogo
vagando no céu - e explode

estou aqui por você...

terça-feira, 3 de abril de 2012

NOITES EM CLARO

o telefone toca
talvez seja ela
do outro lado da linha

atendo
é engano

cinco minutos depois
o telefone toca outra vez
e para

depois disso não toca
nunca mais
por todo o resto da noite

toca uma única vez - é verdade
mas foi eu mesmo que liguei para mim
de um outro aparelho

é quase dia
desligo o telefone da tomada
e vou para a cama

preciso de um pouco de descanso
depois de uma noite agitada...


domingo, 18 de março de 2012

TÉDIOS

quantos tédios se resguardam
dentro de um desses prédios?
900?
1.500?
quantos tédios?

paro na rua e conto
cada janela é uma estrela morta
que decerto só noto
também por estar
transbordante de tédio...

SONHO

essa noite pousou um pássaro
no telhado,

fiquei pensando nos gatos
depois dormi,

e tive sonhos com pássaros que voavam
mil milhas acima
de todos os problemas cotidianos,

de manhã, quando acordei
penas se espalhavam com o vento pelo chão da calçada
e no telhado
só o céu se estendia...

sábado, 17 de março de 2012

A FESTA

no salão em forma de redoma se encontraram todos para a festa
e todos eram tão inteligentes, bonitos e engraçados
até mesmo os que não eram engraçados ou ligados o suficiente
saiam dizendo verdades inteiras pela sala
verdadeiros cabides de preciosidades gigantes
camisolas voadoras em palavras de prata
outros assumiam a forma de Shiva e prostravam-se em silêncio como lindas luas
e para muitos ali reunidos, mil oceanos somados não eram páreo
mais ou menos na hora em que a imensa redoma mais fervilhava
notei que havia uma dente caído no chão
decerto alguém o perdera bem no meio da festa
e isso, de certa forma, era uma coisa muito triste de se ver
pois fosse quem fosse o dono daquela solitária peça
teria ficado sem poder dar o ar maior da sua graça
pelo resto da noite enluarada
a menos que tenha participado de um dos tais jogos de mímica
embora duvide que tenha se arriscado
na tal redoma permaneci por outros dois quartos de madrugada
tendo ido embora antes mesmo do estrondo com que despendiam-se em retirada
o que sei é que seja lá o que tenha acontecido naquela festa
permaneceu o dente esquecido, tão pequeno
completamente ignorado, cercado por uma indiferença travestida
por imensa áurea escuro-cinza bem no meio da sala...

EU E OS DEMÔNIOS

tem um trem que passa apitando
de orelha à orelha
dentro da minha cabeça

estamos em janeiro
e ele já passou sete vezes
somente esse ano

o psiquiatra diz que não é nada
- são apenas alguns comprimidos faltando!

o místico me olha admirado
- são como anjos flutuando?

a crente pede uma passagem
- só de ida que o dia do juízo está chegando!

para o inferno toda essa gentalha

arrumei uma gaita
e com ela imito o barulho do trem
estive pensando em montar uma banda
com todos os meus demônios...

TEMPO

Tupã, o gato
sobe no parapeito da janela
no alto de sua cabeça de onça e tigre
um avião vai passando
ainda mais lá pro alto
uma estrela verde-vermelha pisca
e parece faiscando
Tupã finalmente salta
o avião também vai embora
só aquela estrela fica...

A ANTI-FESTA

eles se encontraram para a festa
eram três ao todo
e ficaram esperando
não apareceu mais ninguém
então um deles tirou um lenço do bolso
e desdobrando aquele pedaço de pano
ia mostrando para os outros
que distraídos comendo azeitonas com palitos
apenas olhavam para aquilo
fingindo algum interesse
com comentários médicos acerca da gripe
enquanto nem o vento
a porta empurrava...

A PIADA

depois que acabou de contar
ainda tentou explicar a piada
alguém bocejou no canto da sala
enquanto um outro olhava as horas
explicação vai
explicação vem
o que contou ainda
perdeu a linha
esbravejou
enfureceu-se
e maldisse àqueles que a seu ver não possuiam um pingo
de senso de humor
acabou que a piada
só teve mesmo alguma graça
duas semanas depois
dizem que quem riu foi um louco
que andava pelado e perdido
e ainda assim
tem gente que desconfia
que ele afinal de contas nem ria
ou se ria
era de nada...

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O VELHO ENUMERADO

Flávia gosta das coisas certinhas
Regina prefere àquelas que ainda estão por fazer
Lúcia pelo tapete da sala fica esparramada
Silvia diz que vai logo ali depois volta
só que nunca mais volta
e Regina espia um pouco pela janela
depois cochicha alguma coisa com Flávia
e inspeciona o fundo de um copo
disfarça mais ou menos olhando outra vez lá pra fora
Flávia solta um peido
e ri
Lúcia pega uma revista folheia um pouco depois desiste
olha pela porta de um jeito meio triste
isso me deixa meio preocupado
logo penso na Silvia
e na chuva que deve cair daqui à pouco
sei que Flávia e Regina irão sair juntas
sopra uma brisa boa da praia
e elas dizem que querem curtir melhor o mar
Lúcia também já foi embora
o vento balança a cortina na janela
Flávia e Regina agora são apenas duas silhuetas
percorrendo a areia noturna
nem sinal de chuva
então porque me preocupar?

RISADAS DUBLADAS

não é pelo fato do mundo estar se despedaçando
nem pelas pessoas dançando à beira da morte
o que deprime mesmo nessa vida
são essas risadas dubladas

bem que tentei baixar o volume da televisão
mas o rádio transmita a mesma coisa
e mesmo com o rádio desligado
minha cabeça continuava transmitindo a programação

e as risadas dubladas ecoaram noite a dentro

meu deus - eu pensei - e agora?
e me atirei pela janela
e enquanto meu eu desesperado caia
uma antena parabólica perpassou-me o corpo e travando a queda

será que nunca vou ter meu descanso
pensei de soslaio de tão sozinho que tava
e tinha ainda bem no meio de um nada
um pássaro que me bicava a ideia

mas o filme acabou antes mesmo que a noite acabasse
e todo o cinema dormiu mais feliz naquele dia
e finalmente a queda nunca mais foi filmada
tudo por conta de uma risada dublada

meu corpo dormente repousa hoje em dia
no alto de um edifício
interligado à uma antena parabólica
você pode assisti-lo todo lá em cima
a transmitir-se por ondas cadavéricas semi-mortas...

sábado, 17 de dezembro de 2011

A ESTRADA

ao longo do dia
carros solitários seguem por uma estrada
as pessoas primeiro acenam
depois ficam mais afastadas
cada uma contemplando
a própria palma das mãos vazias
algumas vezes alguns carros passam
mas nem queira vê-los
são tão feios
brancos, cinzas e pretos,
ou vermelhos

silêncio
que um ônibus para

ninguém desce...

BLACK OUT

No começo da noite - acabou a energia na cidade!

e cada solitária pessoa,
apanhou a sua vela.

e ficou atrás dela

projetando sombras imensas,
garras estranhas,
chifres de bode,
olhos de raio laser verde

nada entretanto,
que se comparasse à lua...

CONTROLE REMOTO

As teclas do controle remoto são macias
umas maiores
outras bem pequenas

um adesivo metálico colado nas costas
tampa de plástico cinza
códigos de advertência
num formato que se ajusta à mão

uma luz que acende quando liga
estando ele apontado para a tela
que transmite as imagens em flash
dos vidros de katchup...

A COISA

Dois caras num ponto de ônibus
um olha para o outro
o primeiro deixa cair alguma coisa
quase que imperceptivelmente

O segundo olha para os lados
certificando-se de que ninguém mais
está observando
enquanto o outro parte
se afastando

Não há mais ninguém no ponto
além dele
as ruas estão quase desertas
é fim de tarde

Ele chega mais perto
e apoiando-se numa perna
revira aquela coisa com um guarda-chuva
enquanto o outro ainda escuta e explosão

e no céu apontam
milhares de pedaços mágicos vermelhos incandescentes...

sábado, 3 de dezembro de 2011

CINCO

Teve uma época em que eu conhecia
uma menina que não tinha um olho
era legal
chegamos a ficar juntos até
e quando saíamos nas nossas andanças noturnas
ela guardava nossos cigarros
dentro do buraco do olho
dizia que olhos de vidro eram um saco
e que viviam caindo quando ela bebia
lembro de um dia ter comentado
que éramos cinco
pois refletíamos três imagens nossas
ao todo
e que talvez por isso tivéssemos tanta sorte
afinal de contas
números pares nunca são muito bons
usando essa tática
de apostar somente nos ímpares
ganhávamos na loteria
pelo menos duas vezes por ano
o dinheiro a gente sempre doava
para instituições de caridade
a sociedade protetora dos animais
o lar dos velhinhos
coisas desse tipo
nunca ligamos para dinheiro
e continuávamos nas nossas furtividades noturnas
becks e mais becks olho à dentro
e eu enfiava também a minha língua ali dentro
dentro do buraco do olho
e ela ria tanto e tão alto
que todos os moradores dos prédios
saiam nas sacadas
e ficavam meio de cara
só por a gente fumar nosso beck...

sábado, 19 de novembro de 2011

A VISITA DEFINITIVA

Chegou certo dia 
E nunca mais foi embora
Vive empoleirada feito um pássaro
Na quina do guarda-roupa
Vestida com um paletó preto cinco números maior
Depois bate as asas durante um tempo
E acaba sempre por derrubar
Imensas penas de carvão 
Por todo o mais branco lençol revirado da cama...

UM KARAOKÊ DE LOUCURAS TRISTES

Antes que alguém dissesse alguma coisa
Ele disse
Primeiro foi até o microfone e vomitou
E apoiado um pouco naquilo
Meio bêbado
Fez das palavras pouco caso
E do discurso
Mero método de tortura
Se disse coisas certas ou erradas
Quem saberia?
O certo e o errado são irmãos gêmeos siameses
Que se fundem muitas vezes
Movidos pelo tempo e pelo espaço somos todos
Como aquele pobre homem
Bêbado de uma loucura triste...

domingo, 30 de outubro de 2011

COISAS SUJAS

os imundos são sempre os melhores
não importa o que você pense a respeito dos limpos
os bem passados não passam de enormes desperdícios de energia
24.000 BTU´s por hora
verdadeiras cadeiras vazias...

um imundo chega para o outro e vai logo comentando:
- que enorme monte de merda acumulada,
que gigantesco rio de mijo -
e todo tipo de bobagens
e tantas dessas besteirinhas, lembrancinhas... -

coisas sujas que se movem
são mais que trens fantasmas urbanos
e sofás de dois e três lugares boiando
e enceradeiras quebradas
e uma pilha de pneus...

da sujeira surge algum tipo de força
que inevitavelmente terá de persistir
já da limpeza emana sempre mansidão
copos cristalinos
cheios de águas minúsculas
prontas para ficarem sujas...

A CONFERÊNCIA DOS VAMPIROS

eles chegavam aos poucos
e ficavam um tempo parados
olhando para o chão
de tempos em tempos viravam umas taças metálicas de vinho
se entreolhavam como uma espécie de conversa muda
tinham unhas tão pontudas quanto as orelhas
e enormes dentes afiados
escondidos debaixo de sorrisos sinistros
e todos usavam uma enorme capa preta
de onde tiravam pequenos pedaços de uns ossinhos
tão brancos
e ficavam remexendo aquilo
como se fossem preciosidades
ou lembranças
e eles tinham olheiras profundas
vagamente lembravam gárgulas
pequenos diabos estranhos
que entravam voando por uma janela
naquela que talvez fosse
uma festa fúnebre
a noite era nublada
e corujas também participavam
por dentro das entranhas das trevas
depois de um tempo que pareceu muito curto
embora pesasse meia tonelada
um a um, em silencio foram embora
cada qual carregando sua pasta de amostras de sangue
e anotações cadavéricas
letras góticas
num novo enfoque maldito...

domingo, 23 de outubro de 2011

MANHÃ DE DOMINGO

pensou que fosse pequeno
o grito no leito da cara
pensou que não passasse
de um gosto amargo de pinga
mas era
era a joia suprema
um diamante de dúvidas
dentro de uma cartola vazia
como era a vida
orfã e boiando nas fritas
num rio amargo de tíbias
que mais pareciam
dentes postiços armados
pra riba
como diziam as filhas
de todos os maiores pecados
Luciola
Angelica
mulheres repletas de vida
carregando malas
pesadas
num dia frio de chuva
serpentes
lanternas
Testemunhas de Jeová.... 

VEADOS

Passa Fábio
Passa Atílio
Passa Falcão
Passa Hepaminondas
Lúcio
Rodrigo
Gigavão
Passam todos serelepes
Bichinhos das estepes
Saltitando 
Como coelhos
Veados
Panteras rosas...