segunda-feira, 8 de setembro de 2008

NO FINAL DO FILME

As letras subiam pela tela, enquanto tocava a música de saída. A saga enfim terminara, tinha sido o último suspiro de um filme regado a aplausos eufóricos de um público ávido por novos heróis e suas peripécias impossíveis para a vida destemperada. Nosso herói caminha lentamente de costas para a tela, enquanto as letras iam subindo, denunciando tantos nomes que já haviam partido para outra estória cinematográfica qualquer. Enquanto a música tocava seus acordes tristes que contrapunham a aparente alegria de tantas e tantas salas de cinema espalhadas por todo o canto, ele simplesmente dava de ombros para toda essa gente cujos corações pulavam como se fosse festa, o fim de uma grande festa. Comemoração. Nada era impossível num mundo de borracha como esse, um mundo falso onde as estradas eram feitas de madeira e a grama não passava de papel picado, o fundo para onde ele olhava, para onde caminhava agora, era azul, um azul pálido e ligeiramente tedioso, embora a imagem que aparecesse na tela para o público fosse de um imenso deserto silencioso, caprichosamente planejado para lacrimejar olhos movidos à refrigerante. Deserto – ele pensou. Deu mais uns passos a frente, a música chegava na sua última parte, logo depois da última estrofe, ele conhecia cada linha, cada nota dela, poderia até dizer se tratar de uma canção sua, e afinal de contas até que não deixava de ter razão quem assim pensasse.
Era até capaz de curtir um pouco aquela idéia, de uma hora para outra, tudo se tornara parte dele e ele parte do todo, aquele imenso mundo de luzinhas que se apagariam como velas numa tempestade em questão de minutos agora lhe pertencia, era ele o herói da estória, tinha cruzado tantos caminhos e vivido tantas aventuras diferentes, enfrentara as mais perigosas criaturas e vivera o mais intenso amor, sua atuação fizera com que milhares de pessoas fossem do riso às lagrimas e embora fosse tudo muito estranho, uma vez que nem mesmo a roupa que vestia era sua, sua arma era a imitação barata das armas que bandidos destemidos usaram no passado, nada além de um brinquedo inofensivo, deu risada, afinal estava de costas para a platéia, para milhares de pessoas que acompanhavam o final do filme, era capaz de ouvir o som de cada aplauso como se viessem bater nas suas costas, dentro da sua cabeça – enganara todo mundo, quase um insulto ou talvez, muito pior do que isso, se sentia terrivelmente confuso e triste, muitas pessoas já tinham se levantado das suas poltronas, outras tantas nem mesmo estavam dentro das salas de cinema agora, aplausos e mais aplausos, aquilo só poderia significar o fim, tentou sorrir outra vez, mas não conseguia mais disfarçar, suava frio e seguia trôpego os últimos passos antes que a canção terminasse, o ato final – sabia que as letras não mais subiam, todos os nomes já tinham sido mencionados, a única coisa que restava era uma fagulha da sua silhueta caminhando lentamente dentro de um deserto de látex. Então foi no penúltimo passo, segundos antes do fim total, cambaleou de lado, sua cabeça girava como se fosse a hélice de um helicóptero descontrolado, era inútil, em vão, qualquer tentativa de manter as aparências, até que sua silhueta minúscula como um ponto, como uma virgula, lá no fundo da tela, rodopiou outra vez e caiu de cara no chão de madeira.
Cessaram os aplausos, quem estava de pé parou e olhou para a tela outra vez, teve quem tentasse voltar para as salas de cinema – o silêncio era total, todos tentavam enxergar o minúsculo ponto que se perdia na minúscula queda, mas a verdade é que a tela, o cinema, inverte as coisas da vida real, transformando pequenos em grandes heróis e imensas quedas em ínfimos nadas, a verdade é que o silêncio atestava apenas que o público nada entendia daquilo que estava fora do seu alcance amestrado.
E no chão do tablado de madeira, um cara comum, cujo rosto suado não escondia as lágrimas, trêmulo segura uma arma de brinquedo por não suportar o peso real que agora desabara em suas costas.