quinta-feira, 11 de setembro de 2008
O MEDO MOVE O ÓDIO E O ÓDIO MOVE O MEDO
Eram uns homenzinhos pequenos, esquisitos. Eu tinha medo deles, tinha medo de que fizessem alguma coisa de ruim para a minha família ou que me cercassem no final do dia enquanto eu voltava do trabalho, de modo que eu evitava passar pela rua onde eles se encontravam todos os dias num boteco caindo aos pedaços bem perto da minha casa. Às vezes eu ficava à espreita, achava que estavam me vigiando por alguma fresta ou sentia como se estivesse sendo seguido, mesmo contornando o caminho e voltando para casa por uma ruazinha estreita do outro lado do bairro, era como se olhos fitassem cada um dos meus passos, então eu apressava a volta, chegando muitas vezes a correr. Aparecia em casa ofegante e minha mulher vinha me perguntar o que tinha acontecido para que eu me cansasse tanto – São eles – eu respondia – Eles quem? – evidentemente que ela sabia do que se tratava, mas por algum motivo que desconheço fingia ignorar – Os homenzinhos daquele bar – minha resposta era sempre a mesma e depois eu afastava um pouco a cortina tentando encontra-los no meio da escuridão lá de fora. Com o passar do tempo o meu medo foi crescendo até o dia em que cogitei a possibilidade de me mudar de casa, mas essa idéia foi logo descartada pela minha companheira, com quem tinha dois filhos ainda pequenos e que na verdade eram o principal motivo da minha preocupação com aqueles homenzinhos ordinários, não suportava a idéia de que pudessem fazer alguma coisa para os meus filhos, se eu teria que ficar morando naquele mesmo bairro então eles que tratassem de se cuidar, pois no meu entender não passavam de ratos ou baratas, homenzinhos narigudos, meio corcundas e calvos, riam quando eu passara por ali certas noites, muito tempo atrás, riam o tempo todo, de tudo, por certo que riam de mim, tramando, ah – esses bastardos, tramando contra a minha pessoa, contra a minha família, eu não tinha muita alternativa. Eram eles ou eu, não tinha como continuar naquela situação, nem dormir direito eu dormia, minha mulher vivia reclamando que eu não dava atenção para ela, isso porque comprei um binóculo para vigiá-los, vagabundos inúteis, o tempo todo na porta daquele boteco, rindo e brindando longos goles daquela bebida nojenta, tramando maldades contra pessoas de bem, inimigos dos trabalhadores, não tinha mesmo jeito, teriam que ser aniquilados. E foi justamente numa tarde de quarta-feira, o dia em que eu saia mais cedo do serviço, lembro que bati o cartão pontualmente às 16h15min, as 16h45mim já estava no caixa da loja assinando o cheque, enfim chegara o dia, sai eufórico pela rua, e meus passos já não tinham a marca do medo de antigamente, agora eu era um novo homem, disposto a abraçar o mundo e o presente reluzia mesmo debaixo daquele papel vagabundo que mais parecia papel de pão em que o balconista o embrulhara. Apertei os passos 17h20min, dobrei a esquina da rua de cima, lá estava eles, era possível avista-los mesmo de longe, uma mancha negra no horizonte, um foco de contaminação na cidade, homenzinhos esquisitos e maldosos, inúteis de qualquer maneira para a sociedade, tirei o brinquedo do embrulho e comecei a carrega-lo ali mesmo, conforme me aproximava da matilha, era possível sentir o cheiro do álcool, suas risadas estúpidas, chegando bem perto, parei por um instante, devia estar a uns três metros deles, eram uns sete ou oito ao todo, pararam e ficaram me olhando, todos em silêncio, seus olhos não eram da cor dos meus olhos e seus cabelos era mais grossos e oleosos, suas mãos eram sujas e rudes como mão de trabalhadores do campo, o modo de se vestirem era igualmente estúpido de tudo o que eu já vira antes, continuavam me olhando com aqueles olhinhos idiotas, levantei bem a arma na direção de suas cabeças e comecei a disparar, primeiro tentaram correr para dentro do bar, mas foi inútil, um à um foram caindo como moscas, gritavam e tombavam, pediam para que eu parasse, continuei com os meus disparos, limpando a cidade, limpando o mundo daquilo que eu julgara um disparate à liberdade que o governo me concedia – até que não restou nenhum deles, estavam todos mortos e exceto pela cor do seu sangue, não havia nada ali que se parecesse comigo. Voltei para casa me sentindo um pouco mais tranqüilo, ainda tive a calma necessária para jogar a arma dentro de um bueiro escondido, entrei e fechei a porta com um sorriso no rosto, minha mulher correu para me dar um abraço, depois os meus filhos, então eu abri bem as cortinas e escancarei as janelas, pela primeira vez em anos poderia dormir ao lado da minha esposa.