quarta-feira, 12 de setembro de 2007
PÁGINAS INCANDESCENTES, FOLHAS FLAMEJANTES E DIÁRIOS QUEIMADOS OU O DIA EM QUE CONHECI LIBERATORE
Tava passando bem em frente àquela casa, quando escutei o sujeito me chamando lá da porta, era um cara gordo, devia ter uns quarenta anos, vestia uma roupa toda amarrotada, parecia meio nervoso. – Preciso que você leve umas coisas. – ele falou. – Que coisas? – perguntei. – Umas coisas que eu tenho lá no quarto. Entrei. A casa era ampla. Cheia de objetos estranhos de decoração, um pássaro gigante pendurado no teto. Imensas prateleiras pintadas de preto, todas vazias. Um quadro de Goya, provavelmente falso. – Preciso me livrar delas. – ele dizia, ofegante. – Não são coisas boas. São coisas ruins. – e conforme seguíamos pelo corredor, ele ia limpando o suor da testa com a manga da camisa. Chegamos até o quarto, havia uma cama de casal, toda desarrumada. Enormes pilhas de livros que iam até o teto. – Preciso que você leve essas coisas todas embora. – ele disse, tentando não olhar para os livros. – Quanto você quer por eles? – Não quero nada, quero apenas que você leve-os daqui o mais rápido possível, são coisas ruins, não são coisas boas. – a mesma estória de sempre, o cara tinha se convertido em alguma dessas seitas modernas e queria se livrar de tudo o que não fazia parte do seu universo atual. Peguei um dos livros do alto de uma das pilhas, era um Miller que eu não tinha. O de baixo era Foucault, Os Anormais. O sujeito, atrás de mim, não parava de murmurar umas coisas ininteligíveis. Pedi uma sacola. Voltou minutos depois com cinco ou seis sacos de lixo. Comecei a jogar tudo aquilo dentro dos sacos, quatro, cinco Saramagos, dúzias de Lispector e Quintana, vi um Kafka vindo junto. Tava na terceira sacola, quando o cara teve um ataque histérico e começou a botar fogo nos livros, arremessava-os para um canto e acendia o isqueiro, jogou cobertores por cima, a fumaça começou a entrar nos meus olhos, mesmo assim eu continuava apanhando o que dava, quando terminei o quarto saco, ele pegou o colchão e jogou no fogo, tive que sair correndo, arrastando aquele monte de livros pelo chão, até a sala, no caminho, um dos sacos tinha rasgado, Blake, Heidegger e Dostoievski estavam espalhados pelo corredor, pelo menos três de cada. A fumaça espalhou-se pelos outros cômodos da casa, abri a porta da sala e atirei dois sacos lá pra fora, quando voltei para pegar o terceiro, a fumaça era tão intensa que acabei desistindo da idéia, ainda era possível ouvir o maluco gritando lá de dentro do quarto. – Essas coisas não são boas. Essas coisas são negativas. Elas dão azar. - quando finalmente saí da casa, tinha uns moleques juntando os livros, que agora estavam todos espalhados pelo gramado. Corri até eles, eram cerca de vinte, estavam roubando os meus Folcaults e Saramagos, os livros que eu tinha acabado de ganhar de um sujeito louco convertido em algum tipo idiota de seita. – Devolvam os livros, seus filhos da puta. – comecei a correr atrás deles, tropecei num tijolo, caí de boca no chão, levantei meio atordoando, ainda conseguia ver alguns livros espalhados por ali, meio cambaleante, juntei todos, a casa tava pegando fogo. O sujeito agora, tava na janela de um quarto lá de cima gritando e acenando com uma vassoura. Não conseguia entender o que ele dizia. De qualquer maneira, não fazia diferença. Agradeci pelos livros e comecei a descer a rua outra vez, a caminho de casa. Tinha em mãos sete livros ao todo, um Rimbaud, dois Machados de Assis, um bandeira, um Gogol, um Turguêniev e o outro era um tal de Luís Liberatore – Páginas Incandescentes. O livro era fantástico, tanto que na manhã seguinte, troquei os outros seis livros por outros dois do Liberatore – Folhas Flamejantes e Diários Queimados.