Vivi uns tempos com uma tal de Cíntia, morávamos em um conjunto habitacional no fim do mundo, um conjunto de prédios residenciais com apartamentos minúsculos. A Cíntia até que era legal, sabia beber que nem gente grande e tinha senso de humor, o que, do meu ponto de vista, deixa toda mulher muito mais interessante. O problema é que ela era meio louca, meio não, ela era completamente pirada, sempre aparecia com uma idéia sem pé nem cabeça, até eu convence-la de que aquilo não valia a pena, então ela esquecia por uns tempos. Às vezes retomava a mesma idéia maluca de antes, depois de duas ou três semanas, mas geralmente vinha com uma invenção nova para cada dia da semana.
Um dia, era uma manhã de quarta-feira, lembro até hoje, eu tava de folga, zapeava pelas bobagens da televisão, então ela veio até a sala com aquela furadeira na mão e o cabo da extensão. Ligou o troço na tomada, tava com um pano de prato amarrado na cabeça, o cabelo tapando metade do rosto.
- Que porra ce vai fazer? – perguntei.
- Tem petróleo nessa parede, tenho certeza, acabei de ver.
- Viu aonde?
- Tem lá, um punhado escorrendo pelo chão da cozinha.
Fui até a cozinha. Vi uma mancha preta perto da pia. A cafeteira virada de boca pra baixo. Nisso ouvi a furadeira trabalhando a toda na sala.
- Que merda você tem na cabeça Cíntia, aquilo na cozinha é café. – tentei explicar.
- Pode ser, mas que tem petróleo aqui, isso tem. – continuava furando.
Ficou lá, naquele barulho infernal, estragando minha manhã de folga. Fui até um bar próximo. Quando voltei já era fim de tarde. A sala tava parecendo um queijo suíço, cheia de buracos de furadeira em todas as paredes. Encontrei a Cíntia na cozinha, continuava com aquele pano enrolado na cabeça, o rosto sujo de pó. Dessa vez batia com um martelo e uma talhadeira no chão da cozinha.
- Caralho Cíntia, o que é agora?
- Não enche. – ela parecia irritada.
- Pensei que fosse encontrar a sala transbordando petróleo.
- Cala essa boca. – continuava batendo no chão da cozinha, quebrando o piso todo que eu acabara de colocar.
- Agora chega. – eu disse, tomando o martelo da sua mão.
Daí ela veio pro meu lado, com a talhadeira, parecia um macaco de tão furiosa, tentou me acertar, consegui desviar e dei-lhe uma martelada no joelho. Caiu no chão chorando, chorando e gritando.
- Para com essa gritaria. – eu disse.
Morávamos no 16º andar e era possível enxergar alguns vizinhos dos prédios ao lado saírem nas janelas para ver quem é que tava berrando daquele jeito.
Continuou com a gritaria, sai novamente pra rua, dessa vez levando o martelo, a talhadeira e a furadeira. Voltei em casa de madrugada. A Cíntia ainda tava acordada, mexia com uma colher no saco de arroz.
- Amorzinho – ela disse – Vem ver uma coisa.
Tinha arrancado aquele pano sujo da cabeça e tava com ele enrolado no joelho.
- Quié? – respondi sem dar muita bola, indo direto pro banheiro.
- Acho que tem umas coisinhas brilhantes junto com esse arroz, talvez seja algum tipo de minério.
Devia ter se formado em geologia. Pensei.
Então tirei minha roupa e liguei o chuveiro, devia ser umas três da madrugada, quando escutei a Cíntia batendo no Box do banheiro – Amorzinho, amorzinho, ta me escutando.
- Fala criatura.
- Acho que estamos ricos.
Então desliguei o chuveiro e fiquei um tempo vendo a silhueta dela por detrás da porta de vidro.
Quando saí do banheiro, ela continuava lá na cozinha, dessa vez examinava os grãos de arroz com uma espécie de lupa.
A sala estava cheia de buracos, não tínhamos petróleo em casa, mas em compensação talvez estivéssemos ricos, incrível não?
Fui para o quarto e dormi feito uma pedra.
Na manhã seguinte saí cedo para o trabalho. A Cíntia ainda dormia, agarrada àquele saco de arroz.
Voltei para casa às 9 da noite, a maluca apareceu logo depois, tava puta da vida porque ninguém tinha comprado a idéia do arroz. Pelo menos isso.
Nas duas semanas seguintes nenhuma idéia nova brotou da cabeça da Cíntia, foi um tempo de relativa tranqüilidade, e exceto pelos buracos nas paredes da sala, parecia que todas as outras coisas estavam no lugar certo.
Embora eu já soubesse que aquilo não iria durar muito tempo.