terça-feira, 28 de agosto de 2007

THE CRYTTERS

Tínhamos todos 12 anos, era eu, o Bido e o Tim e resolvemos formar uma banda de rock, claro que não tínhamos nenhuma noção de musica, não sabíamos tocar nenhum instrumento e nosso gosto musical era baseado na miscelânea de rock e pop nacional que tocava nas rádios no final dos anos 80. Parte da nossa empolgação estava no fato do Bido ter ganhado uma guitarra de presente de aniversário, não lembro a marca, talvez fosse das mais toscas, lembro que era verde e branca, só a guitarra, não tinha amplificador. Foi mais ou menos nessa época, eu tinha feito um rolo com um moleque que morava na mesma rua, troquei minha coleção de revistas Mad, cerca de 50 números, por duas peças de uma bateria branca, eram duas peças velhas e enferrujadas, o bumbo e a caixa, e toda tarde eu mandava ver na barulheira, batucava sem parar. Nessa época, além das coisas nacionais que tocavam no rádio, eu também gostava de bandas como The Cure, Kiss e Dire Straits, o Bido logo ficou animado para montar a tal banda, escolhi o nome, o que, modéstia a parte, até que foi uma sacada legal para a idade que tínhamos, colecionávamos umas revistas sobre filmes de terror, geralmente trash movies, coisas horríveis mesmo, entre esses filmes tinha um chamado Kritters, não lembro agora se era essa a grafia correta, de qualquer forma, eu conhecia pouco mais de uma dúzia de palavras em inglês, e mudei a grafia de Kri para Cry, ou seja, as criaturas passaram a ser criaturas “berrantes”, inteligente não?
Convidamos o Tim para fazer parte da banda só porque o pai dele tinha um violão, pensamos que fosse grande coisa, mas o tal violão tinha apenas três cordas e o Tim tava mais preocupado com jogos de futebol do que montar uma banda e tentar tocar algum tipo de música.
Como o Bido era o único que tinha um quarto só pra ele, resolvemos ensaiar na sua casa, levei para lá as duas peças da minha bateria, o Tim levou o violão de três cordas do pai dele e o Bido completava a formação com a sua guitarra sem amplificador. Encontrei uma poesia, acho que era uma poesia, na contracapa de uma revista em quadrinhos e comecei a trabalhar uma melodia para ela. Deve ter passado uma ou duas semanas depois disso, ainda não tínhamos feito nenhum ensaio, e aconteceu que iria rolar uma festa de aniversário da irmã do Luciano, um outro amigo nosso, era aniversário de criança, já não gostávamos desse tipo de festa e mesmo assim acabamos convencendo o Luciano de que seria uma boa idéia tocarmos na festa, como não tínhamos um vocalista, o convidamos para ser o vocalista da banda, o que era também uma forma de bajular nosso anfitrião. Lembro até hoje daquele dia, engraçado é que me escapa agora o nome da irmã do Luciano, nem vou tentar me lembrar, isso não tem importância, eu lembro que, olha só, peguei uma calça jeans e fiz dois rasgos enormes nos dois joelhos, cortei as mangas de uma camiseta e fui assim para a festa, de tarde já tínhamos levado nosso “equipamento” para lá, tava tudo montado, as duas peças da bateria com as baquetas em cima, a guitarra do Bido encostada na parede e o violão do Tim, como sempre, em cima de uma cadeira, não sabíamos onde ele tinha ouvido aquela estória de que apoiar o violão no chão desafinava as cordas, que diferença fazia? Eram só três cordas e todas desafinadas. O Bido apareceu com um alfinete espetado na orelha, atitude que, do nosso ponto de vista era a coisa mais punk que alguém poderia fazer, estávamos animados e ansiosos, seria a primeira aparição dos Critters. Então eu, o Bido e o Luciano ficamos em um muro ao lado do portão, virando copos de refrigerante, enquanto os convidados chegavam, todo mundo já sabia que iríamos tocar e quando alguém perguntava sobre o nosso som, dizíamos tratar-se de composições próprias, no entanto não tínhamos uma música pronta sequer, iríamos fazer barulho, qualquer tipo de barulho, mais ou menos como os Pistols tinham feito dez anos antes lá no Texas. Acontece que esperamos, esperamos e nada do Tim aparecer, cogitamos a possibilidade do Luciano tocar o violão de três cordas, mas ele não queria saber de violão, era o vocalista da banda e pronto, esperamos mais um pouco e já era bem tarde quando a tia do Bido (ele morava com uma tia) veio buscá-lo, nisso a maioria dos convidados já tinha ido embora, algumas pessoas nem repararam nos nossos instrumentos naquele canto do quintal, lembro de ter terminado a noite virando mais copos de coca-cola junto com o Luciano enquanto a mãe dele e as duas irmãs mais velhas arrumavam toda a bagunça. Fui convidado para passar a noite por lá, mas recusei, voltei sozinho para casa, já passava das onze da noite, as ruas estavam vazias, era uma noite morna de setembro.
No outro dia ficamos sabendo que o Tim tava muito doente e não teve como aparecer na festa, telefone era coisa que muita gente não tinha, incluindo todos nós da banda, de modo que ele não teve como nos avisar, o Luciano passou mal depois de tomar cerca de três litros de refrigerante, foi o nosso caso particular de overdose, faltou na aula nos dias seguintes e o Bido foi convencido pela tia Yoko Ono dele de fazer aulas de piano, deve ter vendido aquela guitarra, nunca mais tocamos no assunto da banda.
Os Critters duraram duas semanas, ou talvez menos, e nesse período não fizemos nenhum ensaio, não compusemos uma única canção e não tocamos em nenhum lugar, talvez tenha sido a banda mais punk da história, ao menos poderíamos ter sido, vai saber.
Quanto à minha bateria de duas peças, deixei lá na casa do Luciano mesmo, não voltei mais para pegar, troquei por uma jaqueta branca que hoje em dia acho ridícula, mas que de qualquer forma era a jaqueta que eu estava usando quando dei o meu primeiro beijo na Gabriela algumas semanas depois dos Critters terem acabado.