segunda-feira, 30 de julho de 2007

A INCRÍVEL HISTÓRIA DE NICOLAY SLOVAC

Quando os americanos pisaram na lua em julho de 1969, na pequena cidade de Perm, localizada na parte européia da antiga União Soviética, começou a ventar forte e o céu, como num passe de mágica, encheu-se de nuvens escuras, as pessoas estavam todas dentro de suas casas, embora fosse verão, lá fora o frio tornara-se intenso chegando à marca de 7º centígrados. Na manhã do dia 25 de julho todas as pessoas do mundo comentavam a vitória dos capitalistas na corrida espacial. Todas menos Andrei Malafeev, afinal de contas, ele tinha uma estória para contar. Passei as férias de 69 na casa dos Malafeev, no dia em que foi anunciado o maior trunfo da NASA eu e Andrei Malafeev saímos, logo após o desjejum, para uma caminhada até as margens de um pequeno lago, já nos limites da cidade.
- Lembro daquela noite de 1964 - Malafeev começou a contar, olhando para os patos no lago - Lembro até da expressão de Barov quando demos início ao nosso plano - continuou o velho - Éramos três, ao todo, eu, Barov e Slovak, Nicolay Slovak, o primeiro homem a pisar na lua, cinco anos atrás. Cuidamos de tudo, de todos os detalhes, tínhamos toda a confiança do governo soviético, mas não podíamos nos arriscar numa jornada fadada ao insucesso, além do mais, Barov estava com planos de fugir para o Canadá, queria ser técnico de um time de hóquei em um país livre, não sei se conseguiu, desde janeiro do ano passado, nunca mais nos falamos – Malafeev apanhou um punhado de terra e amassou entre os dedos, continuava olhando fixo para frente, para os patos no lago - Eu tinha todas as chaves, sabia todas as senhas, todos os segredos, Barov tinha o conhecimento técnico necessário e Slovak era o astronauta ideal, amigo e confiável o bastante, homem corajoso, como quase não se vê mais. E olha que só faz cinco anos. Cinco anos - Malafeev repetiu como se consternado ante a constatação de que cinco anos era tempo suficiente para tantas mudanças – Foi em uma noite de agosto de 1964, 15 de agosto para ser mais exato, o céu estava limpo como nunca estivera, foi ali mesmo no outro lado daquela colina – apontou para um agrupamento de colinas cheias de arvores secas na parte norte, onde terminava a cidade – Lá funcionava um antigo departamento de pesquisas espaciais, eu trabalhava como segurança e Barov era o técnico responsável, contactamos Slovak e as dez da noite em ponto, estava tudo arrumado, a nave, a coisa mais bonita que esses olhos de velho já viram, toda vermelha com o símbolo do partido comunista pintado de amarelo, Slovak estava calmo, eu, ele e Barov demos longos tragos numa garrafa de vodka, contamos piadas, as onze e quarenta demos inicio aos procedimentos, Slovak subiu pela escada lateral, desejamos-lhe boa sorte, entrou na nave, e dez minutos depois, apertamos os botões. A nave levantou vôo. Eu e Barov nos abraçamos, rimos, choramos. Vimos aquele ponto brilhante afastar-se para sempre. Claro que não tínhamos idéia de que a missão de retorno falharia, lá pelo quinto ou sexto dia do inicio da viagem, perdemos contato com Slovak de modo que ele nem a nave nunca mais foram vistos. Depois disso eu fui transferido para outro departamento em Lensk, Barov continuou operando as coisas no Departamento de Pesquisas Espaciais, embora só pensasse no Canadá, no time de Hóquei e essas coisas todas. O mais curioso nisso tudo – falou Malafeev, dessa vez olhando diretamente nos meus olhos e eu reparei que os seus estavam cheios de lágrimas – O mais curioso é que essa noite eu sonhei que o tal do Neil Armstrong encontrara-se com o astronauta soviético lá na lua, os dois homens conversaram muito durante todo o sonho, no final o americano despediu-se dele, parecia bastante feliz, sentando naquela nave vermelha, assistindo as estrelas, não tinha a mínima vontade de retornar.
Quando Malafeev terminou a história, automaticamente tentei encontrar a lua no céu, mas não consegui, esperei então a noite chegar e fiquei olhando enquanto ela surgia, quase cheia, pensei ter visto a nave vermelha em algum ponto, talvez tenha sido só impressão. Nessa noite também sonhei com Slovak, sonhei que ele comia uns insetos estranhos que vagavam pela via Láctea, no sonho ele sorriu e apertou-me a mão. Desde então, sempre que vejo a lua lembro de Nicolay Slovac, o primeiro homem a pisar-lhe o solo, muito antes dos americanos. E penso também em todas as mazelas e infortúnios que aquele homem deixara para trás, e que encontrara apenas o silêncio e a contemplação na vastidão lunar. Realmente não era difícil invejar a sorte que tivera Nicolay Slovac