quinta-feira, 26 de julho de 2007
UM DIA DE SORTE
O tal japinha entrava no turno das nove, Jorge falou enquanto cruzávamos o saguão do hospital em direção ao estacionamento do lado direito de prédio. Passamos por uma fileira de carros e o Jorge correu até aquela porta de ferro e ficamos lá esperando. Bateu duas vezes e nada. A chuva engrossara. Estávamos ali encolhidos. Tem certeza de que ele ta mesmo aí dentro? Perguntei. Claro que ta, espera só um minuto. Jorge bateu novamente na porta. Não demorou muito e lá estava aquele japinha escancarando a portinhola com um sorriso de uma orelha à outra. Olhou para todos os lados, certificando-se de que não estávamos sendo observados. Entramos. Lá dentro o cheiro era uma mistura de álcool com detergente barato. O chão brilhava. O japinha acendeu um cigarro. Jorge fez o mesmo. Eu também. Fomos andando, seguindo aquele corredor escuro, iluminado apenas pelo farolete do japinha, no final do corredor, dobrando à esquerda, chegava-se aos dois lances de escada, lá embaixo, uma porta dupla, grande, com dois vidros redondos, parecidos com vidros de barco. Podem descer, ta aberta, qualquer coisa é só vocês voltarem por esse mesmo caminho, vou deixar a porta destrancada por dentro. Avisou o japa. Então descemos. Jorge foi na frente, sabia até onde ficava o interruptor, afinal tinha feito aquilo pelo menos uma dúzia de vezes. Quando as luzes foram acesas fiquei surpreso. Pensei que fosse ver um monte de camas de ferro com corpos cobertos por panos brancos, como nos filmes, mas só havia uma sala enorme, com duas imensas fileiras de armários metalizados no centro, umas camas vazias encostadas na parede do lado esquerdo e arquivos e mais arquivos do lado direito. Vem comigo, lá na frente as coisas ficam melhores. Jorge falou. Seguimos até uma outra sala, essa tinha uns troços estranhos nuns vidros, em uma prateleira que se estendia de uma extensão à outra da sala. As pias estavam brancas, impecavelmente limpas, cruzamos até o fim e entramos por outra porta dupla, essa um pouco menor do que a anterior, lá dentro tinha um amontoado de camas metálicas, algumas vazias, outras ocupadas, todas uniformemente organizadas em quatro longas fileiras. Puxa a parte de cima, depois você confere pra ver se vale a pena. Jorge falou e já foi direito para as camas lá do fundo. Puxei a parte de cima, daquilo que parecia uma espécie de plástico sintético cinza, era uma mulher, devia ter uns trinta e cinco anos no máximo, parecia bonita. Nisso o Jorge já tinha abaixado a calça e se atracava com algum morto numa das camas do fundo. Joguei aquele plástico no chão, tirei a minha roupa toda e pulei em cima, era gelada, linda e gelada, coloquei uma vez, duas, três, toquei seu cabelo, parecia meio úmido, meio vivo, se é que isso é possível. Jorge deu um urro. Rimos. Continuei naquela. Beijei de leve a boca, seca, sem brilho. Jorge pulou para outra. Ei, essa daqui parece das boas. Comentou animado. Depois de um tempo cansei daquilo, desci, coloquei a roupa de volta. Jorge estava na terceira. Porra - olha só pra isso, tivemos um dia de sorte. Comentou. Não respondi nada, fique lá olhando a minha menina de olhos serrados e cabelo úmido, tinha uma etiqueta no pé direito, C-125B. Depois cobri outra vez com o plástico cinza. Olhei para o Jorge se divertindo lá no fundo, encostei na parede, não me sentia bem, mas também não me sentia mal. Jorge deu outro urro. Olhei para aquelas fileiras todas de camas metálicas, nem sinal do japinha. Acendi um cigarro, tivéramos um dia de sorte.