quarta-feira, 15 de abril de 2009

A VINGANÇA PARTICULAR DO CAMINHÃO UVA

(da série: Estórias de Autoajuda para Mentes Eletroeletrônicas e Afins)

- Pobre caminhãozinho – sussurravam umas pessoas às outras enquanto ele, cabisbaixo de tão triste, circulava de maneira apressada e levemente desajeitada entre o tráfego de veículos e transeuntes ao cair da tarde.
Era sempre assim, nem bem o sol se escondia e lá vinha ele atrasado, como em todas as outras vezes, era sempre o último que chegava ao destino - onde trabalhadores impacientes o esperavam com sorrisos de escárnio contidos para dentro de suas bocas fechadas.

E não importava que a entrega fosse muito longe, logo ali ou mais ou menos perto, o coitado do caminhão uva era sempre o último a chegar. A sua frente em questão de agilidade e pontualidade estavam sempre os intocáveis veículos do mais alto grau de existencialismo mecatrônico. E não importava o quanto o caminhão uva os interpelasse a respeito do segredo para tamanho desempenho, eles sempre tinham as mesmas respostas na ponta da língua:
- Ora bolas, caminhão uva, cada um com seus problemas –

E seguiam os dias assim, o caminhão uva era sempre o último a chegar enquanto os outros, distraídos dentro de longas conversas e gargalhadas solenemente ignoravam todas as perguntas que lhes eram feitas.
- Um dia eu descubro – jurou o caminhão uva para ele mesmo (na verdade o caminhão uva era um caminhão que transportava vinho equatoriano para pontos espalhados dentro da América do Sul).

Um dia então o caminhão uva chegou ao destino esperado (com 45 dias de atraso) e resolveu esperar pelos outros caminhões que pontualmente, calculou, deveriam passar somente dois dias depois por aquela cidade. E ele ficou esperando pelos outros, acampado embaixo da tenda de um velho circo abandonado. Dois dias depois chegaram logo de manhãzinha, distribuindo pompa pelas ruas da cidadezinha encravada no meio de um nada e que agora reluzia ao brilho de todas aquelas máquinas novinhas e cheias de exercício de mecânica.
Estacionaram em frente a um supermercado de onde os funcionários, todos vestidos impecavelmente de branco, começaram a descarregar o conteúdo que tais caminhões transportavam.

E qual não foi a surpresa para o humilde caminhãozinho uva quando descobriu que todos aqueles caminhões carregavam toneladas e mais toneladas de esterco e que os funcionários, todos muito ágeis e bem treinados, revezavam-se na tarefa de descarregar o esterco, empilhando-o em carrinhos de mão que imediatamente eram arrastados para dentro do mercado onde lá adiante, junto aos enormes balcões frigoríficos, um fila que dava uma volta inteira pelo estabelecimento se agitava, ávida pelo esterco que sumia das prateleiras antes mesmo que pudessem renovar o seu estoque.

Então o caminhãozinho lentamente saiu rodando, outra vez, mas por estradas diferentes agora, no ritmo e na levada dele, da maneira que achava que devia ser feito, sem cobranças ou preocupações de qualquer tipo, tava tudo certo – ele jamais se sujeitaria àquele monte de merda – refletiu um pouco e só então suas rodas brilharam enquanto rodavam pelo asfalto quente da 506.

E no embalo de uma descida acelerou mais forte e nunca mais parou.