sábado, 14 de março de 2009

O CIRCO A CÉU ABERTO

Quatro caras chegaram ao mesmo tempo no céu, da porta São Pedro já foi logo avisando que só tinha uma vaga disponível, pois o desastre de avião que acontecera no dia anterior tinha deixado o paraíso com todos os quartos ocupados. Só restava um no andar térreo perto da lavanderia. E pra piorar a situação o Diabo já tinha mandado recado que tava precisando de mais gente no inferno, recentemente ele comprara um grande lote de terra do Judas Iscariódes e precisava ocupar aquele espaço todo que até então permanecera vago.
Os quatro homens então começaram a disputar a única vaga restante distribuindo tapas e palavrões uns nos outros. Era um empurra-daqui-empurra- de-lá danado até que São Pedro interveio: – Escutem só uma coisa. – ele disse com o dedo indicador apontado para cima como se fosse um desenho animado – Se vocês querem mesmo entrar no Paraíso precisam me provar que são merecedores da vaga.
– E como iremos provar? – perguntou um dos homens parado embaixo da barba do santo.
– É muito simples, contem-me quem vocês eram em vida, o que fizeram, o que construíram ou ajudaram a construir, darei a vaga para aquele que for o mais foda dos quatro.
Nem bem terminou de falar, um dos quatro homens tomou a frente do grupo e já foi logo falando a plenos pulmões: – Eu fui um cara realmente foda Seu São Pedro, fui tão foda que me elegeram presidente do meu pais dezenove vezes seguidas, o povo me adorava, ainda adoram, veja só aquilo, estão todos de luto pela minha morte, dezenove vezes, sabe o quê significa isso Seu São Pedro? São 76 anos servindo o meu país, 76 anos servindo o meu povo, a minha gente...
antes que terminasse de falar, São Pedro interveio. – Tudo bem, já vi que você foi um cara foda mesmo. Agora, o próximo, então veio o outro homem, esse era mais contido que o primeiro, falava num tom mais baixo e moderado:
– Eu fui um grande astronauta, Saint Peter (falava inglês), talvez o maior de todos que já pisaram a terra, e devo dizer que esses pés que vês agora, já pisaram incontáveis solos de incontáveis planetas até hoje desconhecidos em grande parte do mundo, consertei sozinho satélites que vagavam inutilizados a esmo pela galáxia, entrei em contato com dezenas de seres vivos estranhos de todas as partes do universo, de tudo quanto é tipo de planeta que se possa imaginar.
– Realmente vejo que também é um cara fodisticamente foda. - São Pedro falou e chamou pelo seguinte. O terceiro homem veio e fez um número de mágica, um número incrível que nenhum dos homens presentes, incluindo São Pedro, jamais tinha visto, primeiro tirou uma cartola de dentro de um coelho, depois tirou uma manga de dentro de uma pomba, tirou dedos de dentro de um baralho, bocas de dentro de panos coloridos entrelaçados.
– Trata-se do melhor número de mágica que já vi. – disse São Pedro assim que terminou a demonstração. – Também és foda. – completou e anotou na prancheta junto com os outros nomes. – O último, por favor, então veio o último dos quatro homens, abrindo espaço entre os três primeiros, era um baixinho, não devia ter mais que metro e meio, não possuía muitos dentes na boca, era meio corcunda, enrugado, cabelo ralo e desalinhado. Mesmo assim sorria.
- Eu sou poeta. – ele disse, e prosseguiu
– Sou poeta, porém nunca escrevi um único livro, tampouco um poema ou uma poesia e jamais escrevi um único verso em toda a minha vida.
– E o quê faz do senhor um poeta então? – São Pedro inquiriu.
– Eu sou um palhaço, meu trabalho era fazer criança sorrir, na minha terra me chamavam de poeta, porque diziam que palhaço e poeta é a mesma coisa, só o lugar que toca o coração é diferente.
Então São Pedro curvou-se diante do homem e num gesto de admiração lhe disse: – Pode entrar no céu, pequeno homem, a vaga é sua.
– Não, São Pedro, não é não. – disse o mínimo homem para o espanto dos demais.
– E por que não?
– Porque não sou foda. Disse o homenzinho, virando-se da entrada do céu.
Contam que, depois disso, São Pedro acabou admitindo o mágico na única vaga que restava no Paraíso. O Astronauta foi viver junto com as estrelas e o Político foi mandado direto pro inferno,
pois Deus é anarquista.
Contam ainda que o homenzinho acabou topando com o Diabo em pessoa na entrada do inferno, ficou um tempo por lá, mas as crianças gostaram tanto dele que foi expulso duas semanas depois. Parece que arrendou aquele terreno que o Diabo tinha comprado de Judas, nele montou um imenso circo, um picadeiro.

Parte do diálogo cortada da versão original dessa estória:
- Foda é meu pai, Seu São Pedro, eu sou fodinha!



Moral da história: existe circo após a morte.