terça-feira, 27 de janeiro de 2009

VIVER É MORRER AO CONTRÁRIO

Depois de tanto bater a cabeça nas paredes do colégio, um dia pude enfim compreender. Mas foi só quando a coisa começou a rolar que eu tive a noção exata do que era aquilo que tanto me falavam, como se fosse a promessa de algum tipo de felicidade etérea que até aquele momento jamais fora vivenciada por mim ou qualquer uma das pessoas que eu conhecia. Aconteceu numa sexta-feira, logo depois da primeira aula, uma sirene tinha tocado, mas não era o sinal da escola, era uma sirene dentro da minha cabeça e ao som dessa sirene fundia-se também o som de todas as vozes, de todas as pessoas dentro da escola, era possível escutar até mesmo as pessoas que estavam caladas, suas vozes sussurravam palavras desconexas que batiam dentro do meu estomago, minha barriga revirava ao girar dessas palavras lá dentro, me contorci um pouco, tentando disfarçar minha loucura, elas eram pesadas como pedregulhos, suava frio e tremia dos pés a cabeça, meus pensamentos falhavam, como se fosse um pisca-pisca, minha vista escurecia e clareava. Devo estar morrendo – pensei e foi então que vomitei no chão da sala antes que o professor da segunda aula chegasse. Os outros alunos pararam perplexos, me encarando por um minuto, mas logo depois voltaram para dentro de suas caixas de papelão, assistíamos às aulas de dentro dessas caixas muito grandes que o governo tinha fornecido logo depois que a última árvore tombou seca, uma primavera antes. Acontece que, logo depois, enquanto eu ainda me recuperava, um tanto aliviado por me sentir mais ou menos melhor, o segundo professor não entrou na sala de aula, ao invés dele o primeiro professor, o que tinha saído pouco antes, voltou para a sala, de costas, os alunos silenciaram e então o professor começou a falar, sua fala e seus gestos eram tão estranhos a primeira vista que por pouco não saltei pela janela, sorte a minha, pois estudávamos no trigésimo sétimo andar. Conforme eu prestava atenção nos professores e nos alunos, percebia que algo estranho acontecia, como se o tempo, de fato passasse ao contrário, como uma fita de videocassete rebobinada. Mas foi o relógio no alto da parede que denunciou, o tempo estava mesmo correndo ao contrário e o sol começou a descer novamente, mergulhando feito um peixe abatido lá pros lados do Japão. Eu tentava compreender como aquilo era possível, gesticulava e falava, tentando chamar a atenção dos outros alunos e do professor, mas fui solenemente ignorado. Estavam realmente todos rebobinados. Olhei pela janela, tinha uma cortina grande e branca antes dela, lá em cima, trilhos presos com parafusos fortes, puxei um pouco para testar, eram firmes feito aço, pendurei-me nelas e comecei a balançar, de um lado para o outro, no meio da sala, ouvindo todos aqueles sons malucos, o relógio ao contrário, o sol descendo, o dia novamente amanhecendo e então o professor foi embora, de costas, como se estivesse chegando, os alunos também foram saindo, um a um, todos de costas também, era muito estranho, muito bizarro, enquanto eu permanecia balançando nas cortinas. Subi mais um pouco, quase encostando a mão no teto – Cuidado – alguém disse, olhei para baixo, mas todos os alunos já tinham ido embora, as luzes se apagaram e a mesma noite de antes retornara – A matéria é líquida quando a vida corre ao contrário – uma voz vinda lá do corredor falou, evitei tocar o teto com medo de que ele escorresse em cima de mim. A noite trouxe um silêncio inexplicável, espectros apareceram para conversar comigo, tentavam me convencer a descer da cortina – Você entrou numa espiral sem volta – eles disseram, só havia uma maneira de parar com aquilo, era entrando num caixote de madeira com as cores da bandeira japonesa – É onde o sol nasce, portanto é onde ele morre também, nascer e morrer, qual a diferença? – uma voz conhecida falou, então deslizei feito alguma coisa meio líquida e deixei que me colocassem novamente, dentro daquele caixote de madeira, foi quando o tempo parou, nem pra frente, nem pra trás, só eu e a escuridão silenciosa, abraçados e encaixotados num orgasmo eterno - Se soubesse que era assim, teria vindo antes - eu disse.
- Psiu - alguém fez.
Só então silenciei.