Desde o dia em que eu conheci Laís, Mairís me acompanha. Agora mesmo, enquanto escrevo, ela permanece sentada numa poltrona verde ao meu lado. E embora eu não tenha olhado na sua direção, posso afirmar com toda certeza de que ela mantém as mãos trançadas entre as pernas, olha para um ponto fixo no chão, um olhar firme e vago ao mesmo tempo, difícil definir entre um e outro, suas maneiras são gentis e sua fala carrega a mansidão de uma eternidade quase assustadora. Eu e Laís nos conhecemos no outono de 2005, dividíamos a mesma mesa em uma festa de confraternização que não vem ao caso pormenorizar. Descobrimos que gostávamos dos mesmos tipos de filmes e que achávamos certas ruazinhas de Pinheiros muito mais charmosas e interessantes do que a Avenida Paulista. Foi por esses, entre outros motivos que passamos a nos encontrar com certa freqüência. Encontrei Maíris pouco tempo depois, debruçada sobre uma cerca ao redor de um lago. Era uma festa de casamento e a princípio pensei tratar-se de Laís, pois à exceção das roupas e do corte de cabelo, as duas eram praticamente idênticas. Conversamos um pouco, embora ela não fosse de muito papo, era irmã da Laís, as duas eram gêmeas nascidas com a diferença de pouco mais de um minuto. Apesar de não termos trocado muitas palavras Maíris, a exemplo da irmã, me pareceu bastante atenciosa, pediu para que eu guardasse segredo sobre nosso encontro, especialmente para a irmã, a quem tinha grande admiração, disse que mais tarde me explicaria o motivo. Despedimo-nos com um cumprimento desajeitado, sem que antes eu deixasse de prometer guardar segredo sobre o nosso encontro. Paralelamente a isso eu e Laís nos tornávamos mais próximos um do outro à medida que nos encontrávamos nos bares de Pinheiros. Desenvolvemos uma cumplicidade tamanha que era difícil aos olhos dos outros não separar nossa amizade de um romance cuja intensidade dependia do grau de álcool que carregávamos no sangue. Brindávamos e virávamos copos e mais copos de uísque, vodka e saquê. Algumas semanas depois de eu ter encontrado a Maíris e antes mesmo de eu ter feito qualquer tipo de pergunta ou comentário sobre sua irmã que a Laís, já meio bêbada, no auge de uma de nossas madrugadas etílicas contou-me pela primeira vez sobre sua irmã. Disse que de fato tivera uma irmã gêmea a quem a sua mãe dera o nome de Maíris, porém essa não sobrevivera mais que duas horas depois do nascimento. Lembro que voltamos para casa no meu carro e enquanto eu dirigia era possível enxergar o espectro de Maíris no banco de trás do carro fitava-me placidamente e sei que talvez seja difícil acreditar nisso, mas não senti medo, muito pelo contrário, uma sensação intensa e inexplicável de proteção pairava sobre mim naqueles instantes todos enquanto percorríamos por ruas desertas da madrugada paulista. Como prometido nada falei para a Laís sobre o encontro que eu tivera com sua falecida irmã gêmea, também guardei segredo sobre todas as outras vezes que Maíris surgira do nada, muitas vezes seguindo-nos ou caminhando ao nosso lado. Uma inabalável tranqüilidade me acompanhava toda vez que Maíris surgia, era como se ela secretamente sussurrasse que bastava apenas ter a certeza de que sua irmã seguia por um caminho seguro, chegava inclusive a falar-me sobre isso abertamente quando estávamos a sós, não queria que a irmã soubesse que ela estava por perto, com medo de que isso pudesse prejudicá-la. E é essa sensação de proteção que invariavelmente nos acompanha, sempre que estamos os três num mesmo lugar, inclusive agora, enquanto escrevo essa estória, Maíris permanece sentada na poltrona ao meu lado, com as mãos entrelaçadas e um olhar fixo para o chão. Como quem guarda algo que por enquanto dificilmente vou saber decifrar. Como quem transborda um amor fraternal e reconfortante.
Como um anjo protetor da irmã.