quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

CRIANÇAS COM OLHOS DE URSOS DE PELÚCIA

Foram muitas as estórias curiosas que aconteceram na época em que trabalhei num hospital de brinquedos e bonecas na zona oeste de São Paulo. Já faz bastante tempo, cerca de vinte anos, mas ainda guardo na memória cada uma delas, tão vivas quanto um anteontem, as falas e os gestos, os rostos de todas aquelas pessoas, permanecem no sussurro de um retrato mais ou menos apagado, pendurado na parede da minha mente. Foi a época em que pais e mães chegavam com seus filhos, segurava-os nos seus colos com um cuidado inexplicavelmente exagerado, as crianças quase sempre tinham alguma febre ou resfriado – Conserta minha bonequinha!? – Dá um jeito no meu pobre brinquedinho!? – eles falavam me estendendo as mãos com aqueles pedacinhos de gente. E eu tinha que explicar-lhes que o hospital ficava a duas quadras dali. Alguns ficavam surpresos, outros ficavam perplexos, arregalavam os olhos e saiam de fininho. Outros simplesmente se recusavam a levarem seus filhos naquele lugar “repleto de doenças infecto-contagiosas”, então eu fingia consertar seus filhos, seus brinquedinhos, para que ficassem mais calmos, para que se sentissem melhor. Eu sempre tive uma pena enorme da miséria humana e aquelas pessoas todas pareciam no limite do esgotamento físico e mental. Depois de cinco ou seis minutos, entregava-os de volta para seus pais e mães radiantes, segurando crianças explodindo de febre. Eles perguntavam quanto tinha sido a consulta, me ofereciam dinheiro e doces. É claro que eu recusava, afinal de contas não tinha feito nada demais além de implantar umas buzininhas com sons engraçados dentro da barriga de cada uma daquelas crianças, de modo que, toda vez que eram abraçados ou apertados, emitiam sons de brinquedos para recém nascidos. Passava um tempo e os pais retornavam transbordantes de agradecimento pelas buzinas implantadas na barriga dos seus filhos – É sinal de amor – eu dizia, e alguns pediam para que eu implantasse olhos de ursinho de pelúcia no lugar dos olhos naturais, mas tamanha ignorância, juro que nunca fiz, apesar de toda a insistência e do dinheiro que me fora oferecido. Portanto nada tenho a ver com essas crianças com olhos de plástico que desfilam as cegas pelos corredores da cidade, e se você reparar bem, se tiver a oportunidade de abraçar uma delas, verá que não possuem as buzinas que instalei anos atrás, talvez tenham entrada para carregadores de bateria, talvez tenham botão de liga e desliga, mas certamente não encontrará as buzinas, isso foi idéia minha e todos os méritos e prestigio devem ser endereçados a mim. E além do mais, já faz vinte anos, vinte longos anos.