Certa manhã de domingo eu peguei um ônibus para lugar nenhum
A única coisa que eu fiz foi estender o braço para que aquele bendito ônibus parasse
E ele parou. Bem na minha frente
O motorista acenou com a cabeça (o ônibus não tinha porta)
Perguntei para onde estava indo
Ele disse – Estamos indo para lugar nenhum
Então eu pulei para dentro e lá fomos nós
Éramos sete ao todo
Eu, o motorista, o homem-borracha (que trabalhava num circo), um cara parecido com Evander Holyfield (que já trabalhara como técnico de futebol), uma ascensorista robusta (aparentemente atrasada para algum compromisso) e dois cachorros cujas raças eu não consegui identificar
Alguém assobiava uma canção qualquer
E fora isso e o sacolejo do ônibus
Silêncio total pela estrada deserta
Passei a maior parte do tempo sentado num banco da terceira fileira
Tentei puxar assunto, mas as pessoas eram realmente muito estranhas
Depois de um tempo descobri que um dos cachorros é que estava assobiando
- Legal – eu disse e notei que o motorista me encarava pelo espelho retrovisor
Ajeitei meu chapéu na cabeça e contemplei a paisagem
Casas simples enfileiravam-se à beira da estrada
Peguei no sono e depois de muito tempo (já era noite)
Acordei com o cara que parecia Evander Holyfield do meu lado
Ele tinha um violão
E eu andava com uma melodia na cabeça já fazia um tempo
- Tome isso – ele disse, me entregando o violão
- Sério? – perguntei meio sem jeito
- Termine a música – foi uma espécie de ordem
- Eu sei cantar melhor do que qualquer um aqui dentro – disse a ascensorista chegando mais perto
- Que belas coxas – o homem borracha disse
- Não são para o seu bico – ela respondeu
E foi assim que teve inicio a minha primeira participação musical dentro dum ônibus cheio de pessoas mais ou menos desconhecidas
Terminada a apresentação a mulher ficou empolgada, queria cantar mais
- Ray Connif – ela disse toda empolgada
- Nem fodendo – retruquei
- Sinatra? – era a vez do motorista
Desisti e terminei devolvendo o violão para o seu antigo dono
Não demorou muito e lá estava ele esquecido embaixo de um banco qualquer
Voltamos ao sacolejo e o cachorro voltou a assobiar
- Essa estória ta meio parada demais – o motorista falou enquanto reduzia a velocidade – Parada demais – ele repetiu enquanto ia reduzindo, até estacionar de vez bem no meio da estrada
Tava um breu danado lá fora – vinte e duas para a meia-noite
Ninguém disse nada
Os dois cachorros desceram e foram mijar nas rodas traseiras
Só agora eu percebi o vento que entrava por aquele buraco onde deveria ficar a porta do ônibus
Nisso apareceu um sujeito trêmulo com uma gandola do exército
E também saltou para dentro
Com o motor novamente ligado rumamos para aquele lugar desconhecido
E mesmo na escuridão – ao longe, margeando a estrada
Avistei crianças apanhando rosas
Crianças descalças, cujos pés estavam sujos de terra
Seus cabelos eram duros e elas estavam por toda a parte
Exceto o motorista – todos dentro daquele ônibus dormiam no conforto dos seus sonos pesados
Avistei um botão num canto – numa barra metálica ao lado do motorista
Levantei e toquei o sinal
E então ele parou novamente na beira da estrada deserta
O motorista me olhava incrédulo
- Não vai para lugar nenhum? – perguntou
- Não – respondi - Hoje não, ainda tenho uma estória para terminar.
Desci e acenei, os cachorros abanaram seus rabos
O resto do povo dormia
O ônibus se afastava lentamente para longe de mim
Dei meia-volta
E foi assim que acabei deixando para conhecer o lugar nenhum
Qualquer dia desses
Muito, muito depois...