Certa manhã de domingo, bem no meio de um passeio descontraído num bosque de eucaliptos, Alicia topou de frente com uma estranha árvore de gigantes galhos cobertos de frutos beges, enormes e deliciosos frutos beges espalhados de uma extremidade a outra em cada um daqueles imensos galhos que pareciam tocar o céu de tão altos que eram. Um dos frutos, porém, era maior do que todos os outros somados, e era justamente esse que Alicia cismou apanhar. Como geralmente acontece, o objeto de seu maior desejo era também o mais alto e o mais difícil de pegar. Alicia que tinha lido todos os livros que falavam sobre persistência e força de vontade não pensou duas vezes, com seus braçinhos magricelas começou a escalar a imensa árvore, até a metade do caminho tudo correu bem, mas foi só dar uma espiada lá pra baixo que Alicia, notando a imensa altura em que se encontrava começou a achar que o esforço não valia tanto a pena, e que talvez fosse melhor comer os frutos menores - já podia alcançar pelo menos uma centena deles, eram grandes o suficiente para saciar sua fome e além do mais, ela não tinha muita certeza de que conseguiria subir e descer antes que anoitecesse. Alicia então se apoiando em um dos galhos pegou três enormes frutos que estavam ao alcance de suas mãozinhas e devorou-os todos como se fossem balas de coco. Alicia adorava balas de coco e sentada naquele galho que de tão grande mais parecia uma enorme cama rústica, saciada de sua fome e cansada por ter subido tão alto, adormeceu. Adormeceu e sonhou o sonho de anjos e crianças, um sonho colorido, salpicado de fadas madrinhas e loucos engolidores de espadas, um sonho confuso que acabou não valendo muito a pena, pois ao acordar, Alicia percebeu espantada que já era de noite e que dificilmente conseguiria voltar no meio daquela escuridão. Ouvia grilos e corujas conversando nos galhos, sapos também participavam da conversa com suas opiniões jocosas vindas lá de baixo. Foi então que Alicia viu uma coruja sentada bem perto dela, parecia muito atenta ao falatório dos grilos e não dava a mínima para a menina, olhando mais uma vez aquele fruto imenso suspenso lá no alto, brilhando como se fosse uma lua, uma nova lua bege e provavelmente muito deliciosa, Alicia, no meio da noite escura, com seus olhinhos de ameixa decidiu que teria de buscá-lo e devora-lo imediatamente. Vou matá-la e aproveitar sua plumagem – pensou enquanto olhava para a coruja distraída. E foi o que ela fez, em questão de minutos estava lá em cima, em volta do imenso e desejado fruto, batendo seus braçinhos magricelas cobertos de penas de corujas – Essa cola é mesmo resistente – ela pensou enquanto recordava o comercial que tinha assistido no dia anterior. O silêncio agora era total, parecia que nenhum bicho vivia naquela altura, Alicia tocou de leve o fruto gigante, finalmente tinha conseguido o que queria, persistência a força de vontade, persistência e força de vontade, persistência e. Um cheiro horrível, rançoso e dilacerante exalou o fruto assim que Alicia deu a primeira mordida, estava podre, e aquele gosto podre ficou na sua boca e entrou no seu sistema digestivo, Alicia rodopiou em cima daquele imenso galho que mais parecia um piso de um quarto bem rústico, rodopiou e rodopiou outras vezes, até despencar desacordada espatifando-se lá embaixo. E no alto agora, algumas corujas subiam amparadas por grilos e sapos bastante prestativos, carregavam uma companheira morta nos braços – Para onde eles estão indo? – perguntaram em coro, dois filhotinhos de corvo para sua mãe – Eles irão guardá-la dentro daquele imenso fruto falso – ela respondeu – Persistência e força de vontade, persistência e força de vontade, persistência e força de vontade – os filhotinhos então gritaram como se estivessem rindo muito alto.
E a menina cuja alma estava cheia de cobiça e miséria transformou-se numa coruja muda.