Um homem de meia idade fazia aquecimento para o que seria uma extensa apresentação de saltos ornamentais e acrobacias, agitava-se de um lado para o outro bem no centro do ginásio decadente, enquanto um outro homem, um pouco mais velho, metido num terno amarelo desbotado acenava e saltava, sacando do bolso interno do paletó hora um livrinho minúsculo de capa preta hora o talão de mensalidades.
No momento em que o primeiro terminou aquilo que parecia ser um aquecimento muito desajeitado, uma banda amadora, porém exótica, diriam uns gauleses que visitavam o templo naquela manhã nublada de segunda. Um bando de maltrapilhos, diriam uns maldosos fofoqueiros no ouvido sempre plugado, uns dos outros. A BANDA DO TEMPLO DO NOSSO SENHOR – disse o senhorzinho de terno amarelo quase branco, para o aplauso geral dos 14 expectadores ávidos por boas novas possivelmente divinas. SENHORES E SENHORES – gritou o mágico que regia a fanfarra, parando no meio da frase enquanto os anões metidos em trajes coloridos assistiam impressionados as piruetas que o pobre homem, agora lá em cima, realizava. O ex-inválido, curado logo após o décimo oitavo culto. O culto ao pagamento em dia. O culto às bênçãos financeiras. Girou e rodopiou ao som da fanfarra minúscula no picadeiro improvisado. Girou e rodopiou ao som dos aplausos fora de ritmo daqueles que assistiam. Girou e rodopiou enquanto gritos eufóricos e gargalhadas entrelaçavam-se na longa haste que sustentava a lona da vida. Girou e rodopiou mais de cem vezes, provando estar curado, provando o milagre que outros homens e mulheres muito antes dele já tinham provado. ESTÁ CONFIRMADO – alguém gritou lá embaixo. Então num segundo de descuido aquele homem que era também o fruto de um milagre concebido errou fatalmente por uma questão de milímetros diriam os gauleses tentando demonstrar simpatia, a cama elástica que lá embaixo o esperava para o salto final.
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O corpo outrora curado espatifado no chão tinha a forma de alguma coisa ainda sem um nome específico. Todos estavam no mais completo silêncio, com exceção dos fofoqueiros que eram três, ao todo, incluindo o homem de amarelo que por um instante parou em torno daquilo que agora não tinha uma explicação divina automática, juntando as duas mãos, apanhou um pouco e gritando agora palavras ininteligíveis, atirou parte do curado para o público que salpicado de minúsculos pontinhos vermelhos aplaudiam com seus rostos pálidos naquela mistura de euforia e gargalhada que se entrelaçava na longa haste que sustentava a lona de uma porção de vidas salpicadas também de miséria.