terça-feira, 29 de julho de 2008

DEUS E A TRIGÉSIMA ENTREVISTA

Subiu no cume mais alto de todos a fim de interpelar Deus, afinal de contas tinha suas dúvidas e receios, recentemente ouvira um boato de que a vida na terra estaria com os dias contados. – Ora essa, era só o que me faltava! – disse o Todo Poderoso e antes que nosso ilustre personagem principal (sim, Deus não é o personagem principal dessa estória nem um tanto teológica) pudesse questioná-lo continuou: - Você deve ser o trigésimo personagem de conto que vem ter comigo essa manhã, o que anda acontecendo com esse povo? Cadê a criatividade que lhes incuti dez mil anos atrás ou mais? Comeram certa manhãzinha estúpida de sábado como se fosse um cereal matinal? Esqueceram no bolso da calça encardida de lama e catchup que mandaram para a lavanderia segunda-feira passada? Deixaram que escorresse pelo ralo do banheiro enquanto sujavam todas essas latrinas que vocês têm sujado? – Deus parecia meio puto e nosso personagemzinho sentiu-se acuado e inseguro, embora a manifestação divina não lhe causasse grande espanto, tratava-se de um típico homem oriental de negócios, pequeno e envelhecido, cujas mãos tremiam e cuspia enquanto falava e embora não tivesse um hálito ruim também não era nada que pudesse agradar olfatos mais sensíveis – Escuta só uma coisa, seu Deus – ele disse, meio zonzo – Quem cria essas estórias não sou eu, eu sou apenas o personagem, não tenho culpa de estar no alto dessa montanha agora conversando com o Senhor, quero dizer, não que fosse preferível estar em qualquer outro lugar, o que eu quero dizer é que... bem, hum – pronto, complicou-se todo nas suas explicações, pobre homenzinho temente à Deus, não foi ele mesmo quem disse que tratava-se apenas de uma estória, cujo personagem, isento de qualquer responsabilidade era ele mesmo, portanto nada tendo a temer? Mas Deus era implacável ou ainda que não fosse implacável era ao menos uma espécie de professor celestial, um policial gigante metido numa sala cheia de câmeras que nos vigiavam a todo instante, o diretor do hospício, qualquer coisa assim. Era necessário que houvesse uma explicação para o seu infortúnio, pobre homenzinho-personagem-principal-da-sua-hi(e)stória.
Então, aqui no final, antes que culpem a mim que agora escrevo essas linhas, mesmo com certa impaciência, Deus respondeu às perguntas que lhe foram feitas, era o trigésimo questionário do dia, talvez estivesse acostumado, talvez não muito e mandasse outra Tsunami. Não sei o que aconteceu depois, pois me ausentei do conto pra apanhar um danoninho na cozinha e quando voltei encontrei esse homenzinho ao lado da mesa, meio eufórico, meio aliviado, ele me contou qual era a marca da pasta de dente que Deus usava três vezes ao dia, quais as mulheres que ele realmente amara em toda a sua existência infinita, qual a potência do seu laptop capaz de receber e-mails instantâneos do inferno e principalmente, quando nosso time seria novamente campeão.
Foi quando eu desisti da estória toda. E deixei o homem lá, parado, falando sozinho.