Véspera de Natal e as ruas, como que por encanto, encheram-se de enfeites da noite para o dia, os lojistas apressavam-se com as decorações, sinos e lâmpadas eram erguidos, letreiros luminosos com mensagens amistosas colocados muito além das escadas de madeira, onde agora, os homens empilhavam-se tomados de incontida euforia, tanto a rua do comercio quanto da alfândega ganharam o colorido vermelho e branco característico da época, no bairro industrial havia pinheiros cobertos de uma neve artificial dentro de vasos de barro e papai-noel em tudo quanto é esquina, as fachadas dos grandes bancos também foram decoradas, cada qual competindo com o vizinho para ver qual era a decoração natalina que mais público atraia.
Acontecia todo ano, depois do dia 27 de novembro quando então era comemorado o aniversário da Princesa de Antuérpia, só depois dessa data a cidade era autorizada a preparar-se para o Natal.
Aconteceu que Isac Ishnobelle, o dono de uma grande loja de sapatos, tava realmente disposto a ganhar a atenção das pessoas. Dizem que até mesmo os portuários, acostumados com grandes cargas que desciam uma após a outra dentro de containers em navios vindos de todas as partes do mundo, ficaram surpresos com o tamanho daquela caixa de madeira que chegara da Turquia, endereçada para Isac Ishnobelle, o dono da loja de sapatos. Foram precisos vinte homens para carrega-la rua acima até a entrada do estabelecimento, onde Ishnobelle os esperava com cerca de quinze homens para abrir tamanho embrulho. E lá foram eles, munidos de martelos e serrotes, trabalharam uma tarde e uma noite inteira, até que fosse retirado o conteúdo da enorme caixa. O que se viu na manhã seguinte foi uma imensa massa vermelha de borracha dobrada que ocupava todo o estacionamento da loja. Isac Ishnobelle e o Corcunda, seu ajudante indicaram o local exato onde os homens deveriam assoprar, e então eles começaram, todos os quinze, revezando-se naquela tarefa que durou dois dias e duas noites inteiras, quando enfim terminaram, já exaustos de tanto expelir ar dos pulmões, tiveram tempo suficiente para olhar aquela figura que agora erguia-se a frente da loja, todos ergueram suas cabeças para cima, inclusive Ishnobelle e o Corcunda, inclusive toda a multidão de curiosos que formara-se agora nas calçadas. O papai-noel gigante deu meio giro para a direita, depois outros dois para a esquerda, as solas das imensas botas fixadas numa plataforma metálica evitava que o gigante saísse flutuando, sua sombra cobria metade da cidade e algumas pessoas, com problemas de visão, não conseguiam nem mesmo avistar a cabeça do tal papai-noel. Isac Ishnobelle não se continha de euforia, sem dúvida nenhuma aquela decoração era a maior que toda a cidade já tinha visto, talvez fosse a maior do mundo, quem sabe não entrasse para o livro dos recordes, faltava um Ishnobelle em suas páginas, disso ele tinha certeza.
Acontece que, como sempre acontecia nessa época do ano, e isso era coisa que tanto Ishnobelle quanto qualquer outra pessoa da cidade bem conhecia, as chuvas e os ventos eram intensos. Tanto que um dos ajudantes, antes mesmo que o papai-noel gigante começasse a tomar forma, advertiu sobre a possibilidade de uma intensa chuva de granizo, ainda para o final daquela semana. Dito e feito. A enorme decoração que agora vacilava de um lado para o outro, atraindo milhares de curiosos para a porta da loja e enchendo os cofres de Isac Ishnobelle, tinha em seu rosto o patético sorriso emprestado apenas às coisas fadadas ao fracasso. Colocado em órbita, se é que se pode dizer assim, em uma segunda-feira, o papai-noel inflável durou exatos três dias, pois lá pelo final da tarde de quinta, rajadas fortíssimas de vento, anunciavam uma tempestade como nunca antes fora vista. O céu encobriu-se de nuvens negras, pesadas como chumbo, os ventos batiam nas paredes, abriam e fechavam janelas com tanta força que algumas chegaram mesmo a cair no chão, desabando estraçalhadas, telhados inteiros foram levantados, as pessoas correram para dentro de suas casas, em questão de minutos a cidade tinha virado um deserto. Nesse dia Isac Ishnobelle dispensou todos os funcionários mais cedo, e exceto pela companhia do Corcunda, mais ninguém estava dentro da loja quando a tempestade de granizo, acompanhada de raios e trovões teve inicio. Parou de imediato, na vitrina da loja, olhando a sua enorme decoração que vacilava do lado de fora, ora dando meia volta, e então ele podia ver-lhe estampado aquele sorriso besta, ora virando para a parte alta da cidade, de onde vinha a tempestade. E os ventos eram tão fortes, que vaziam o enorme papai-noel curvar-se à frente, quase tocando os telhados de algumas casas, outras vezes curvava-se para trás, encobrindo como uma nuvem ainda mais negra do que aquelas que tingiam o céu, o rosto de Ishnobelle e do seu amigo corcunda.
Na manhã seguinte, passada a tempestade, a população de toda a cidade assistiu estupefata à queda daquela que sem sombra de duvida fora a maior de todas as decorações que eles jamais viram. Caído por toda a avenida principal, o Papai-Noel gigante chegava a tocar os Montes Hummes, cerca de duas milhas adiante, não se sabe se fora algum raio ou o impacto da queda, o fato é que estava vazio agora, como uma bexiga estourada.
Por sorte nenhum grande estrago material tinha acontecido, embora naquele dia, grande parte da pequena cidade tivesse amanhecido na mais completa escuridão. E nesse ano, como em todos os outros anos anteriores Isac Ishnobelle recolheu-se enquanto todas as pessoas saiam às ruas para celebrarem uma espécie de dia mágico.