sexta-feira, 21 de setembro de 2007

ENTARDECER ESPERANDO GABRIELA

Era uma tarde de primavera, quinta-feira talvez. Nessa época eu trabalhava em um supermercado até as quatro da tarde, depois do trabalho passava na casa dela e a gente ia pra algum canto da cidade ou então ficávamos dando voltas a esmo, observando as pessoas, rindo das figuras que encontrávamos, principalmente nas estações de metrô. Todas as tardes eram mais ou menos iguais, não havia muita diferença entre dar um pulo na praça Buenos Aires ou ficar zanzando entre as lojas de discos das Grandes Galerias, por exemplo. No final do dia, lembrávamos apenas das coisas engraçadas que tínhamos visto. E a graça estava justamente no fato de estarmos juntos, o resto era apenas o complemento da nossa paisagem interna. Não sei por que, mas eu me lembro particularmente desse final de tarde, era um final de tarde de primavera, tinha chovido bastante pouco antes e soprava um vento gelado e volta e meia alguma daquelas folhas caídas no asfalto molhado alçava um vôo baixo, incerto e depois parava. Toquei a campainha e fiquei encostado em um poste do outro lado da rua, esperando até que ela saísse. O portão semi-aberto, enferrujado, torto. A porta de madeira ainda com enfeites do natal passado. A mãe acenou da janela, lá de dentro, era um sinal para que eu esperasse, embora nem fosse preciso aquilo, eu esperaria até o final do dia. Não tínhamos mais nada para fazer. E enquanto a água escorria rua abaixo, um ou outro carro passava com pára-brisas agitados, descendo e subindo a Pompéia. Folhas amarelas das árvores, caídas nas calçadas. Eu e a minha camisa de flanela esperando. Lembro que nesse dia eu andava com umas músicas do Johnny Rivers na cabeça, quatro ou cinco cigarros guardados no bolso e dinheiro suficiente para o ônibus e quem sabe uma cerveja na lanchonete do Fino. Umas meninas passaram, colegiais a caminho de casa. Eu conhecia uma delas, era a irmã mais nova de um amigo, tava com um cigarro na mão, andava fumando escondido, nem ele sabia. Lógico, nunca falei nada sobre isso e também não comentei quando, duas semanas mais tarde a encontrei na “fila” do fumo que o Xuxa passava. Que fosse, as histórias pareciam ser sempre as mesmas com a gente do bairro.
As músicas do Johnny Rivers continuavam a toda na minha cabeça. Acendi um cigarro. Vi quando uma parte da cortina foi aberta, ela deu uma espiada rápida lá pra fora. Aquilo era um sinal de que já estava pronta. Dei uma tragada longa, enquanto dois caras passavam carregando um vaso enorme. Dobraram a esquina, seguindo na mesma direção das meninas, da irmã mais nova do meu amigo, que andava fumando escondido. Não lembro o que fizemos depois, se fomos escutar uns discos na minha casa ou se fomos para algum outro canto. É como se terminado um filme, você recordasse apenas a conversa rápida que tivera com o pipoqueiro.
O vento soprou mais forte. Continuava esperando, enquanto ela se ajeitava, linda, entre paredes rosas e verdes e janelas com vidros embaçados e tristes.

(embora nessa época, os filmes valessem a pena – de verdade)