“Um dia teve inicio uma chuva forte, mais forte do que todas as outras anteriores. Foi um temporal imenso, catastrófico.”
Se eu te contar você não vai acreditar. Ainda assim, de uma coisa eu garanto: não sou feito em mentiras. E vou contar a história, porque embora você não passe de um cético confesso espero que outras pessoas leiam e passem essa notícia pra frente, já que os canais de televisão e os jornais impressos só tenham interesse na esportividade boba e na política extenuante.
O ocorrido foi o seguinte: no segundo dia de outono do ano retrasado caiu uma chuva forte, mais forte do que todas as outras anteriores.
Foi um temporal imenso, catastrófico. Pois foi nesse dia que choveu enceradeiras, milhares delas. Ninguém sabe ao certo a razão para o ocorrido, o fato é que tais eletrodomésticos despencaram incessantemente das nuvens escuras que no céu se formaram, foi um temporal de três horas. Três horas e cinqüenta e cinco minutos, quase quatro. Tava eu e o Magrão no beiço na ribanceira tentando pegar um daqueles peixes gigantes que até hoje ainda têm lá pros lados de Tibagi.
As primeiras enceradeiras que caíram espantaram todos os peixes e fizeram a água do Tibajinho saltar mais de metro. Eu e o Magrão que não somos tonto vazamo fora, até as varas de pesca deixamos por lá. Corremos por uma estradinha, eu com a mão na cabeça pra segurar o chapéu e pra proteger a dita cuja e ele com a sacola de peixes nas costas. No caminho até o bar do Alemão, duas enceradeiras me acertaram o pé, o direito e o esquerdo, Magrão tomou uma enceradeirada nas costas, sorte que era das pequenas, senão ele nem tava aqui hoje para confirmar a história.
Lembro que ficamos debaixo da mesa de sinuca, eu, o Alemão e o Magrão, enquanto aquelas enceradeiras destroçavam todo o telhado do bar, a estrada tava toda forrada de enceradeiras, dava até pra ver as danadas boiando por todo o Tibajinho.
Acontece ainda, que nesse mesmo dia, circulou a notícia de que uns sagüis tinham aparecido nas margens ribeirinhas, e isso causou um alvoroço danado na cidade, pois uma grande personalidade dos Estados Unidos iria chegar a qualquer instante. Não deu outra. Nesse mesmo dia, pouco antes da tempestade de enceradeiras, desceu na rodoviária, acompanhada de quatro seguranças, cada um maior do que eu, o Magrão e o Alemão juntos, essa cantora que minhas filhas gostam, essa tal de Jennifer Lopez. Ela chegou com um facão afiado na mão direita e uma escopeta na esquerda. Saiu correndo em direção ao rio, gritava e arfava, que queria os sagüis para fazer novos casacos de pele. Foi justamente nessa hora que começou a tromba d´água, quero dizer, a tromba de enceradeira e quando estávamos lá embaixo da mesa de bilhar vendo as bichinhas caírem, eis que vimos a J.Lo em pessoa, correndo desesperada de um lado para o outro, ela bem que tentou uma vaga debaixo da mesa, mas o Magrão, sujeito ecológico que é, deu-lhe uma rasteira, caiu de cara na lama e logo uma enceradeira afundou-lhe a cabeça no barro molhado. As enceradeiras continuaram caindo por duas horas. Terminado o dilúvio, levantamos os três, primeiro o Alemão que é mais incontido nessas horas, depois eu, o Magrão ficou lá, contando os peixes pra ver se ainda tava tudo lá. Tiramos aquela pilha enorme de cima do corpo da moça, tava com uma enceradeira enfiada na cabeça vazia. Tentamos respiração boca a boca por duas horas seguidas, mas foi em vão. Por fim, largamos o corpo oco inerte ali mesmo. E o Magrão olhando de relance para tudo aquilo, voltou a contar distraidamente, os peixes da sacola. E foi também o que eu e o Alemão fizemos, cercados de cacos de telhas e enceradeiras quebradas.