terça-feira, 18 de setembro de 2007

A CALÇA DE 100 MIL DINHEIROS

Denis, o Fosfozol, tava descendo a ladeirinha da feira, onde o pessoal se encontrava depois do serviço pra tomar umas e outras, tava todo atrapalhado com umas pastas e tal, contornando entre as mesas e cadeiras na calçada, de repente olhou para o lado e viu a vitrine de uma das lojas, lá dentro, vestida em um boneco de plástico sem cabeça, aquela calça. E não era uma calça qualquer. Era a Kalça. A que ele desejava, acima de todas as outras coisas.
Chegou mais perto e com os olhos arregalados (como um desenho animado) encostou seu enorme nariz vermelho na vitrine da loja que exibia aquilo que ele tanto queria, mais do que tudo no mundo, mais do que todas as outras coisas somadas ou mesmo multiplicadas. Ele arfava e quase não conseguia conter a emoção. Suas mãozinhas finas e brancas tremiam, as pastas caíram no chão, ajoelhou-se para enxergar melhor a calça, tava lá mesmo. Era real. Tal como ele tinha visto na televisão. E o cara que usava ela no comercial era do tipo que pegava tudo quanto é mulher e além de tudo era bem sucedido e tinha um cigarro no canto da boca. Seu nariz escorria e ele nem percebia, as pastas todas abertas, caídas no chão, espalhavam milhares de folhas de um arquivo morto por toda a ladeirinha. Seus olhos então deslizaram para baixo, para perto do pé de plástico do boneco sem cabeça que vestia a Kalça, o preço da dita cuja tava lá marcado com letras miúdas: C.E.M. M.I.L, D.I.N.H.E.I.R.O.$. Meteu a mão nos bolsos, procurando pela calculadora, seus lábios tremiam, continuava de joelhos com aquele nariz vermelho gigantesco gotejante, nem os olhos piscavam. Encontrou a calculadora no bolso da jaqueta, fez as contas de quanto tempo precisaria trabalhar até juntar o dinheiro necessário para compra-la. SEIS ANOS. SEIS ANOS E SEIS MESES. Guardou a calculadora no bolso da jaqueta outra vez. Ainda mantinha os olhos de desenho animado, fixos na vitrine, a essa altura, as folhas das pastas já estavam lá embaixo, no final da ladeirinha, quase na avenida. Ficou mais um tempo lá, olhando e sonhando, imaginado-se dentro dela. Quando já era quase de noite, saiu meio trôpego, meio torto, meio besta, desceu o resto do caminho fazendo contas na cabeça. Conseguiria aquele dinheiro de qualquer maneira. Iria trabalhar duro. Fazer um empréstimo. Vender todas as coisas que tinha e que não eram muitas. Faria qualquer coisa, mas aquela calça um dia seria sua. Ah isso seria. C.E.M. M.I.L, D.I.N.H.E.I.R.O.$. SEIS ANOS E SEIS MESES. A Kalça.
Na manhã seguinte pegou uma parte do dinheiro com o seu irmão mais velho. Prometeu pagar-lhe até o final do ano. A outra parte pegou no banco, num empréstimo que ele levaria 24 anos para pagar. Que fosse. Ainda assim valia a pena. Afinal de contas, o dinheiro não era para ser gasto com bobagens, era para comprar a Kalça.
As 17 horas e 15 minutos de anteontem, entrou na loja com a cabeça na estratosfera e todo o dinheiro que conseguira. Colocou todas aquelas notas e moedas no balcão. Contou uma por uma, pela milésima vez. Cem mil dinheiros, certinho.
(o resto da estória é de um final previsivelmente feliz – ou nem tanto)
Hoje de manhã encontrei Denis na rua, ele parecia mais animado do que das outras vezes, tava feliz, fazendo montes de planos para depois que terminasse de pagar suas dividas. Volta e meia mostrava um sorriso enorme que ia de uma orelha a outra. Conversamos bastante. Ele obviamente falou muito mais do que eu. Depois continuou seguindo o seu caminho. Vi quando ele chegou bem perto da esquina, de cabeça erguida e passos firmes, então virou para a minha direção e fez um aceno breve. Reparei que ele vestia a Kalça e reparei também, que de seu nariz escorriam asquerosos pedaços de uma massa encefálica falida.