quarta-feira, 22 de agosto de 2007

RECORTES

Eu tinha uns 13 ou 14 anos, foi uma época legal. Não tinha muito com o que me preocupar, a vida então se resumia à masturbação e rock and roll. Passava tardes inteiras ouvindo Ramones na casa do Lut, um amigo que curtia Sepultura e coisas mais barulhentas. Lembro até hoje das ruas em que eu passava, lembro de uma rua particularmente estreita, com casas antigas, era como se fosse um atalho, eu cruzava ela de ponta a ponta, sempre tinha umas mulheres por lá, umas velhas nos portões, conversando, também tinha uns moleques jogando bola, era uma rua estreita, de paralelepípedo, e foi em uma tarde dessas, logo depois da aula, eu ainda tava com a mochila nas costas e tudo, quando aquela mulher me viu e começou à puxar assunto, não era bonita, mas em compensação usava mini-saia jeans e tinha uma cabelo legal também, era simpática e fumava um cigarro atrás do outro, perguntou o meu nome, óbvio, perguntou para onde eu estava indo, de onde vinha, se já estivera em Ubatuba. Ubatuba? Pois é, fomos conversando, numa espécie de inquérito. Perguntei quais bandas ela curtia e essas coisas, lembro que eram umas porcarias e eu até tirei um barato da cara dela e ficamos nessa, conversando lá no portão, por cerca de meia hora, até que ela me puxou pelo braço, entramos na casa, aparentemente não tinha mais ninguém por lá, os móveis eram feios e antigos, a decoração improvisada em caixotes, subimos até o quarto. É difícil descrever como eu fiquei animado ante a possibilidade daquela ser a minha tão sonhada primeira vez, com o Lut já tinha rolado e com uns outros caras também, tempos depois vim descobrir que quase todos mentiam, mas isso é outra estória, o fato é que estávamos no quarto e ela fechou a porta, pensei que ela fosse tirar a roupa ou pelo menos beijar a minha boca, mas não, ela correu para a cômoda, abriu a gaveta de cima e começou à tirar umas coisas lá de dentro, tirava e jogava na cama, queria que eu visse aquilo tudo, eram centenas de pedaços de....CASCAS DE BATATA!!! Cascas de batata recortadas, juro. Ela colecionava aqueles recortes estranhos e tinha de tudo, casca de batata em forma de coração (essa era a que mais tinha, talvez fosse a preferida dela), cascas de batata em forma de avião, barco, casa, carro, uns bonequinhos estranhos, gato, urso, cachorro. Contou entusiasmada que fazia todos aqueles recortes conforme ia descascando batatas, e que aquilo tornara-se um vicio e etc. Claro que o fato de não ter rolado nada foi frustrante, perguntei se teria fritas no jantar, ela riu, prometi tentar fazer alguma coisa parecida, conversamos mais um pouco e então dei o fora. Mais tarde narrei essa mesma estória para o Lut – A Darci é meio estranha – ele comentou.
Acontece que muito tempo depois, certa vez, e nisso a minha fase masturbação + rock and roll já tinha evoluído para sexo + maconha + hardcore eu saia com uma menina chamada Gabriela, um dia, ela me puxou pelo braço, seguimos então pelo corredor estreito da casa dela até o quarto, fechamos a porta e quando ela tentou empurrar-me para a cama, desvencilhei-me de seus braços, e qual não foi a minha surpresa / desapontamento, quando abrindo as gavetas todas do guarda-roupa não encontrei vestígio algum de recortes em cascas de batata.