A mística entra na sala. Você permanece em silêncio e continua sentado procurando alguma coisa para assistir. Ela revira uma bolsa de pano e tira objetos trabalhados em madeira e depois começa a falar em socialismo e auto-ajuda. Ela não passa de um embuste, um embuste maior do que a televisão que você odeia embora te faça alguma companhia. Você aumenta um pouco o volume – tenta se concentrar com certo esforço e desiste, pois a mulherzinha mística fala em Jesus e Maria e todas essas coisas tristes e bonitas e ela sabe soar um pouco poética. Então você para de trocar os canais e por um minuto olha para sua cara, olhos feito duas pedras de gelo vagando no meio de uma face vazia onde a boca repousa oca guardando ecos de telenovelas e anúncios de liquidação – ela conta os trocados da própria vida e puxa ídolos de plástico por flácidos braços que se descolam do resto dos corpos que borbulham embaixo do sol. Você sabe que não passa de tédio, tédio numa estúpida forma humana materializada ao lado da poltrona – o último lugar onde você esperava inebriar-se com um pouco de paz, mas ela fala, fala e gesticula, salta e pula tão desesperadamente e você sente certa pena desses pobres irmãozinhos desamparados – merda para todos eles – você pensa quando se engasga com o controle remoto, mas não fala nada, espera não magoar a pobre figura ingênua, paradoxal e certamente perigosa que estica os braços para o seu aquário pensando tratar-se de uma outra vitrine estendida dentro dos corredores do próprio delírio – Merda – você repete, propositalmente em voz alta – Foda-se todo esse seu lixo intelectual – ela então se cala olha para fora e sai ao encontro das luzes de néon como uma mariposa perdida.
E você fica pensando, equilibrando as próprias palavras - que talvez ela tivesse pintado tão urgentemente todas suas figuras místicas com um pedaço de arame e tinta de tecido, arranhando as paredes do pensamento até acreditar naquele alívio superficial a escorrer-lhe dos ouvidos.