Foi pouco tempo depois que eu e a b. nos mudamos para esse apartamento. Quero dizer, foi uns dias depois que ela cortou o cabelo bem curto, tinha acabado de passar a máquina quatro e estávamos jantando quando ela comentou comigo que tinha encontrado um fio de cabelo comprido e ondulado e meio loiro talvez, dentro do tanque, naquela mesma tarde.
No dia seguinte veio me contando a mesma estória, sobre outro fio de cabelo que aparecera do nada, no box do banheiro.
Juro que no começo cheguei a pensar que fosse alguma crise de ciúme ou coisa assim, mas a b. insistia que não tinha desconfiança alguma da minha pessoa, ao invés disso, acreditava que os tais fios de cabelo brotavam de algum santo milagre ou de alguma maldição demoníaca na casa. Pedi então, para que ela guardasse os fios que encontrara e me mostrasse depois, queria ver para ter a certeza de que não eram mesmo fios conhecidos, quero dizer, cabelos de pessoas conhecidas.
Dois dias depois ela veio com um fio – Não disse. Eles brotam do chão! – ela falou enquanto eu examinava aquele fino objeto (objeto?) em minhas mãos. Tratava-se realmente de um cabelo do tipo que ela me havia descrito, com o mesmo cheiro e tudo. Pensei um minuto e então devolvi aquilo para ela – É mesmo uma estória muito estranha! – caminhei então em direção à igreja. Contei o caso para o padre que prometeu visitar-nos na semana seguinte. E ele veio e trouxe um grupo de meninos que talvez fossem coroinhas, todos carregavam grandes varetas de incenso e cantam músicas ou rezavam, enquanto eu e a b. enchíamos nossa mesa com dezenas de fios de cabelo bem embaixo da nossa cruz, na parede branca da nossa casa azul. Por fim o padre benzeu cada cômodo e depois benzeu cada pessoa ali presente. Fez um breve discurso e logo sacou de uma maleta um pequeno martelo e uma estaca, foi até o banheiro e começou a bater com aquilo no chão, perto do ralo. Eu e a b. ficamos parados na porta, não tínhamos noção do que dizer naquela hora, os coroinhas também vieram e ficaram parados atrás da gente, podíamos sentir o cheiro de incenso e leite ninho – Só mais um minuto! – o padre avisou-nos depois de uns cinco minutos. Continuava batendo aquela estaca no chão do banheiro, quebrando todo o piso em volta do ralo. Depois, quando um buraco estava bem aparente, tirou o ralo, desconectou a parte de cima do cano e puxou uns tufos grandes de cabelo lá de dentro – Acho que encontrei o problema! – ele disse com certo ar triunfante, ao que todos os coroinhas, sem exceção nenhuma – e devia ser mais de vinte – começaram a orar em voz baixa ou talvez fosse um canto em esperanto no momento exato em que a b. se abaixava e ajoelhada erguia as mãos aos céus agradecendo sabe-se lá deus o quê.
E então eu tive que voltar para a sala, antes disse passei pela cozinha e peguei uma lata de cerveja, talvez estivesse começando um jogo de futebol na televisão, vai saber. A única coisa que eu tinha certeza agora era que esse negócio de padres, coroinhas e aparições santas ou fantasmagóricas nada tinha a ver comigo, definitivamente, muito menos com elas.