terça-feira, 10 de junho de 2008

O TUMOR

No começo parecia uma ferida que gradativamente foi fechando enquanto ele observava, dia após dia, aquela marca escura que se formara em seu peito. Não cresceu muito, num intervalo de dois meses virou uma mancha do tamanho de um polegar, que em nada o incomodava. Pelo contrário, achava graça naquilo, achava bonito. E chegou mesmo a andar de um lado para o outro sem camisa, só para poder exibir em seu peito o que ele deu o nome de tatuagem natural. Só depois de algum tempo, por insistência das filhas é que foi procurar um médico. Foi a contragosto, é verdade, mas foi, e uma das filhas foi com ele. Nem bem o médico começou a examiná-lo, foi levado às pressas numa mesa de rodinha para a sala de cirurgia. Ninguém entendeu direito o que acontecia, até que toda a sua família, reunida em roda em torno do médico ouviu desse a sentença do dia: - A coisa é grave! – tão grave que não podia esperar nem um minuto, a tal mancha que ele tanto gostava tratava-se de um câncer maligno, que crescia vertiginosamente em direção à sua cabeça.
Agora o pobre homem desolara-se de vez, percebendo que seria inevitável o momento em que os homens de branco extirpassem sua pequena tatuagem do peito. Não queria perdê-la de maneira alguma – Meu tumorzinho! Meu tumorzinho! – ele dizia e repetia pelos corredores do hospital, metido num avental amarelo vivo, tendo no seu encalço, a mulher, as quatro filhas e toda a equipe médica. Quando enfim conseguiram convence-lo de que não teria outra saída (uma filha chegou a propor que fizesse uma tatuagem idêntica no lugar da mancha) foi levado aos pratos para a mesa de cirurgia – Meu tumorzinho! Meu tumorzinho! – ele falava num choramingo demorado.
Terminada a cirurgia, todos os médicos e enfermeiros cumprimentavam a família pelo sucesso do procedimento, tudo correra às mil maravilhas, o tumor tinha sido extraído sem dano nenhum ao paciente, e o melhor de tudo, dificilmente voltaria. Cabisbaixo e com os olhos marejados, voltou para a casa e não jantou naquele dia, tentou dormir, mas nem isso conseguia. A família já tinha marcado festa para o sábado seguinte, queriam comemorar a saúde do pai. Mas o pai, que nada, tava todo distraído com suas idéias e vendo seu peito branco no espelho, sem a sua tatuagem, sem aquele enfeite, a mancha companheira e cúmplice das suas idéias, ele sentia como se não houvesse sinal algum que o diferenciasse dos demais. Correu feito louco daquela imagem do espelho, saiu porta a fora e encontrou o quintal e o cachorro, não pensou duas vezes, pulou o muro e correu, desceu e subiu ladeiras, atravessou avenidas e ruazinhas desertas e escuras, pulou buracos, portões e outros muros até que finalmente tivesse chegado na porta do hospital. Ficou de tocaia, vendo quando o carro dos dejetos deixaria o lugar. Não demorou muito e lá estava ele, o furgão branco acelerando portão a fora. Pulou na frente do carro, o motorista, assustado, parou e quando parou ouviu o barulho das portas traseiras sendo abertas pelo homem que agora revirava o lixo hospitalar a procura do seu tumor. Teve sorte, estava na terceira caixa, um pedaço de pele e gordura e sua mancha roxa embutida, limpou a sujeira de outros pedaços de pele iguais aos dele, com a língua e a gola da camisa, guardou no bolso da calça e chegando em casa, colou aquele tecido esponjoso no peito outra vez, colou com fita adesiva transparente, e suas filhas e sua mulher nada falaram a respeito, pois estavam reunidas com outras vizinhas na cozinha, folheando as mesmas revistas de cosméticos e assessórios de beleza de outras vezes. A menorzinha, de sete anos, vendo uma pulseira que achava muito bonita, resolveu recortar a figura da revista para colar no pulso, como fazem as crianças, às vezes, não encontrando, porém, a fita adesiva que tanto procurava, com a ponta da tesoura fez um corte no seu pulso e no sangue que escorria tentou colar a pulseira que agora não passava de um pedaço amassado de papel ensangüentado. Enquanto a mãe e outras vizinhas repetiam: - Que bonitinho! Que belezinha!
- Meu tumorzinho! – ele falou baixinho, fitando sua imagem no espelho do banheiro.