sexta-feira, 4 de janeiro de 2008
OS FANTASMAS DE VARAL
Lembro como se fosse hoje da primeira vez que os vi. Era de noite e eu tinha levantado para tomar água quando encontrei meus pais, eles estavam em silêncio, observando pela janela da cozinha em direção à cerca dos fundos do quintal, mais ou menos onde o Piter, nosso vira-lata, dormia. Lembro de ter me aproximado deles e na ponta dos pés dei uma espiada lá pra fora. Era bem nítido e estavam todos lá, cerca de quinze ou vinte, difícil contar, pois voavam bem rápido de um lado para o outro quando não estavam dentro de nenhuma peça de roupa, pelo visto, estavam se divertindo muito, pois riam alto enquanto o vento balançava as roupas que a minha mãe tinha colocado no varal no final da tarde. Eram noites quentes de verão, noites capazes de secar um varal inteiro de roupas e era um varal comprido, as camisas do papai estavam todas alinhadas, depois vinham as calças jeans e os vestidos da mamãe, por ultimo as minhas roupas e os panos de prato e as fronhas brancas. Os fantasmas vestiam-se dentro daquelas peças e como se voltassem a ser gente viva novamente, balançavam loucos junto com o vento, gargalhando uns para os outros, empurravam-se e disputavam cada peça de roupa com uma ferocidade assustadora. Homens fantasmagóricos balançavam vestidos nas calças do papai, figuras femininas brancas como leite em pó balançavam nos vestidos da mamãe e tinham também uns fantasminhas pequenos, esses vestiam as minhas roupas, balançavam também junto com elas, conforme o vento batia, chacoalhando cada peça. O Piter tava louco, latindo e pulando de um lado para o outro. – Minha nossa – eu disse, sem conseguir conter minha admiração – Psiu – minha mãe fez um sinal com o dedo, pedindo para que eu falasse mais baixo – Eles vão embora quando percebem que a gente ta olhando – então eu fiquei quieta e continuei olhando. Era tarde da noite, e devo ter caído no sono logo, pois não lembro de muita coisa. Na manhã seguinte toquei no assunto dos fantasmas do varal com papai, ele disse que os fantasmas vinham visitar o nosso quintal com bastante freqüência, e que por isso mamãe colocava as roupas no varal sempre no final da tarde, para que eles pudessem brincar de noite. Depois disso eu acordei outras vezes no meio da noite pra ver se os fantasmas estavam na quintal, mas não voltei a vê-los novamente. Não demorou muito tempo e papai foi transferido para outra cidade, mudamos para um apartamento minúsculo e tivemos de nos adaptar, mamãe vivia reclamando da falta de espaço, o Piter também sentia falta do nosso antigo quintal, papai o levava para passear quase toda noite e eu sentia falta do varal, dos fantasmas do varal, no apartamento não tinha quintal, nem vento, nem nada. Cresci com a impressão frustrante de que nunca mais veria um fantasma novamente. Porém foi ontem, logo depois do jantar, meu marido estava na sala assistindo o jornal, e sem querer dei uma olhada para um lençol que secava no quintal da nossa casa recém alugada, para minha surpresa lá estava ele, feito um pirata, com venda nos olhos e tudo, sentado logo acima do varal, fumando um cachimbo como se esperasse que eu ou alguma outra pessoa fosse pregar umas peças de roupa para que ele pudesse vesti-las. Corri até o quarto e apanhei um paletó que tinha sido do avô do meu pai, então me recostei confortável e feliz na cadeira e debruçada sobre o peitoril da janela fiquei a admirar nossa ilustre visita. O fantasma pirata de varal dentro de um paletó.