sexta-feira, 9 de novembro de 2007
O BARCO PESQUEIRO JAPONÊS
Kiziu, Ioshimin e Yanada subiram no barco em uma noite sem lua. Todas as coisas prontas para a viagem, redes, lanças e arpões. Iriam contornar Hokkaido e então seguiriam para o norte, rumo às águas russas, onde tinha peixe grande, grande feito baleia, como não tinha em nenhum lugar do mundo agora. Yanada foi o primeiro no comando do barco, com suas imensas botas plásticas amarelas, sorria de uma orelha à outra para cada piada que Ioshimin lhe contava. Então Kiziu apareceu correndo com um peixe morto dentro da boca e como se estivesse engasgado debateu-se no chão por cerca de cinco minutos, os outros dois riam e batiam com a cabeça na parede, contraindo as mãos nas barrigas, então Kiziu tirou o peixe morto da boca e atirou na cabeça de Yanada. Os três pequenos homens riam e batiam palmas, lágrimas escorriam dos olhos de Ioshimin que caminhou cambaleante até o outro lado do barco. Estava conferindo os faroletes quando Kiziu veio por trás e abaixou-lhe a calça, rolou para o lado rindo e batendo os punhos no assoalho, o sol não tinha nascido ainda e estavam à cerca de quarenta minutos da costa. Yanada deixou o controle do barco de lado e entretinha-se com um gibi ilustrado com mangás escatológicos, cuidou para que os outros dois não vissem, gostava daquilo, tinha uma centena de números que guardava escondidos dentro de uma enorme caixa de papelão no sótão da casa dos seus pais, onde ainda vivia, embora tivesse quase quarenta anos. Ioshimin, ainda com a calça abaixada, deu meia volta e rebolou para Kiziu que continuava rindo e batendo os punhos no assoalho do barco com tanta força que filetes de sangue escorriam das juntas dos seus dedos e misturava-se à água salgada que entrava, conforme ondas mais altas batiam. Quando o sol nasceu, encontraram Yanada dormindo na cabine, com as duas mãos dentro da calça e o gibi escatológico dentro da boca. Lambuzaram o rosto de Yanada com banha de tubarão martelo e foi só então que Ioshimin deu conta e enfim levantou a calça. Kiziu tomou o controle do barco e quando Yanada despertou, notaram que estavam na direção errada, navegavam agora por águas desconhecidas e embora fosse dia claro e o mar estivesse calmo, todos os meios de comunicação do barco pareciam fora de controle, não tinham a mínima idéia de qual direção o barco tomara enquanto Yanada dormira e Ioshimin exibia o traseiro magro para Kiziu que ria de forma incontrolável. Agora navegaram a esmo e sem contato nenhum com outro barco ou com o comando do porto de Sapporo, de onde tinham saído, três dias antes. Famintos e queimados de sol, lá pelo sétimo dia avistaram uma ilha, no começo pensaram tratar-se de uma miragem, pois a ilha parecia tão tropical e inabitada que seria quase impossível existir tal pedaço de terra no mundo que aqueles homens bem conheciam. Mas não se tratava de miragem nenhuma, pois o barco, chegando bem perto, encalhou em um banco de areia e os três pequenos homens arrastaram-se até a praia. Quando chegaram perto de uma placa de madeira com dizeres orientais, leram espantados: ILHA DAS BALEIAS ANFÍBIAS. Não deu outra, lá pelo segundo mês do desaparecimento do barco com os três pescadores, surgiu próximo ao porto de Bergen na Noruega, um pequeno barco aparentemente abandonado. E as primeiras pessoas que o viram naquela manhã de domingo nem imaginavam que dentro dele estavam três corpos retorcidos, cujas cabeças rolavam de um lado para o outro no assoalho antigo e silencioso, e eram de fato retalhos de uma carnificina inimaginável, dentro daquele barco pesqueiro japonês.