Toda família tem suas histórias. Como lendas, passadas de geração para geração, esses casos perpetuam infinitamente, muitas deles preenchidos com certas doses de exagero e fantasia. O fato é que esses casos correm à boca pequena, e todos, sem exceção alguma, não hesitam na hora de afirmarem suas participações como testemunhas oculares do fato, ainda que tenham nascido, anos ou até mesmo décadas depois do ocorrido. Tem uma história que permeia minha família, desde que eu me entendo por gente. Não sei se é verdade ou mentira. Sei que foi confirmada por muitos, pode parecer loucura, mas quem é que iria inventar um troço maluco desses? Pois a história é a seguinte... Antes que eu esqueça, vou lhes apresentar o pessoal, o elenco todo da história, minha família antepassada: Rita era a minha vó por parte de mãe, a mais nova das irmãs de uma família de quatro filhos, Tereza, Francisca, Luiz e Rita. Antigamente o calendário do mês de junho era marcado, sobretudo por festas, bailes e comemorações. Os meus bisavôs tinham se mudado, fazia pouco tempo, para uma cidadezinha no interior de São Paulo, perto de Bauru, nessa tal cidadezinha os bailes de São João eram muito comuns e logo a Tereza, irmã mais velha da minha vó, animou-se em participar. Não sei bem qual o motivo, porém, lá pelas tantas, num dia qualquer, já entrando no dito mês, o meu bisavô acabou que proibiu terminantemente a filha de participar das festividades. Essa, por sua vez, se trancou no quarto, batendo a porta com estrondo e colocou-se a berrar lá de dentro, gritava para todos que quisessem ouvir, berrava coisas estranhas, uma mistura de lamento e raiva incontida, dizia que iria de qualquer maneira, que não importava o preço que iria pagar, gemia mais um pouco e revirava na cama, gesticulava coisas estranhas e por fim afirmara que iria ao baile nem que fosse acompanhada do capeta.
Passou um tempo até que a menina por fim se acalmou, serviram um copo com água, deram a discussão por encerrada, e durante duas semanas ninguém no assunto mais tocou.
Porem na ultima semana do mês, certo cair de tarde alguém batera na porta dos Andrade, Luiz que ainda era bem moleque nessa época abriu a porta e deu de cara com um homem montado em um cavalo que perguntava por Tereza, sua irmã. Como fazia bom uso das palavras e demonstrava hábitos de cavalheiro, o sujeito foi convidado a entrar, e enquanto minha bisavó passava o café, prostrou-se a conversar com o meu bisavô, de maneiras muito nobres, o gentil desconhecido logo cativou o velho, a velha, pessoa muito simples, foi pelo mesmo caminho do esposo, passado algum tempo aquele senhor desconhecido deixou a casa da família acompanhado de Tereza, dirigiam-se para o baile que a essas já estava a toda. Nesse dia, Tereza demorou-se a voltar, chegou em casa por volta das 10 da noite, o que para uma menina de 15 anos, naquela época, era uma afronta de morte para os nervos do meu bisavô, que já não era de muita parcimônia, deve-se dizer. O que contam, e isso na minha família e coisa que ninguém nega, é que a partir desse dia Tereza nunca mais foi a mesma pessoa, tornara-se calada, arredia, muitas vezes agressiva, ficava horas e horas sozinha, geralmente num canto escuro do quarto, nunca mais voltou a tocar as mãos numa bíblia, passava longe da igreja da cidade e nem mesmo bailes ou festas voltou a frequentar. O cavalheiro que a acompanhara até o baile nunca mais foi visto.
Contava um outro primo que certa feita, passando bem em frente a um desses salões onde as pessoas dançavam até o raiar do dia, olhou pela fechadura da porta e viu lá dentro no exato momento em que o seu relógio marcara meia-noite, a imagem de dezenas de diabinhos dançando, todos de ponta cabeça. E disse ainda com um lado do rosto refletido pela luz do lampião, e isso é coisa que me lembro embora fosse ainda criança: – Era sabido por toda a cidade que naquela noite a sua tia Tereza havia dançado nos braços do capeta - fez o sinal da cruz como se quisesse benzer a própria alma. Minha mãe logo mudou de assunto. Eu era criança e aquela foi a primeira de tantas outras vezes que ouvi a mesma história, cuja conclusão sempre fora, da minha parte, a mesma.
Quem é que vai saber?